Vítor Bento contou ao Parlamento uma nova versão sobre o fim do BES

O último presidente do banco explicou à comissão parlamentar de inquérito que o Banco de Portugal não lhe deu tempo suficiente e que recebeu um "não" da ministra das Finanças.

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Vítor Bento foi o último presidente do BES e o primeiro do Novo Banco. Chegou sozinho, antes da hora, e socorreu-se de um portátil para avivar a sua memória ao longo da audição. Sikander Sattar é o Presidente da auditora KPMG Portugal, que controlou as contas do BES, da Espírito Santo Financial Group e do BES Angola. Trouxe um cortejo de assessores, advogados, três malas de viagens, daquelas permitidas fora do porão dos aviões (supostamente cheias de documentos), e um reconhecido consultor de comunicação, António Cunha Vaz, que ia distribuindo sorrisos pelos deputados enquanto Sattar cumprimentava toda a gente à volta da mesa em forma de “U”.

No Parlamento português, esta terça-feira, preenchida desde as 9 horas com estas duas audições, foi palco de uma imagem eloquente sobre o poder no sistema financeiro. Os bancos são obrigados a contratar auditores, as suas contas são certificadas, todo o sistema se baseia nessa confiança e, no fim, os banqueiros caem sozinhos.

Mesmo que sejam banqueiros por dois meses, como Vítor Bento foi. “Fui convidado no final do dia 30 de Junho pelo doutor Ricardo Salgado”, explicou, lembrando a surpresa. Pôs condições - algumas das quais de que mais tarde viria a prescindir -, e ficou convencido “que tinha pela frente um grande desafio”.

O desafio seria grande, mas não no sentido que Vítor Bento se convencera. Entrou nas suas funções no dia 14 de Julho, antes do que estipulara (só entrar depois de anunciados os resultados do primeiro semestre, no fim de Julho), e as más notícias sucederam-se a um ritmo quase diário.

Até que, no dia 1 de Agosto, “ao fim do dia”, recebe a informação do Banco de Portugal (BdP) de que ao banco iria ser aplicada uma “medida de resolução”. O que pensou na altura? “Gostaria que ficasse registado que não questiono a medida. Não tomei parte nesta decisão, nem sobre ela fui ouvido. No final do dia 1 foi-me comunicada a medida. A primeira impressão com que fiquei foi que a resolução seria uma espécie de recapitalização pública, em que o papel do Estado era intermediado pelo fundo de resolução. A filosofia subjacente à resolução é que o banco sujeito cessa a sua actividade. Em face desta verificação, comunicámos ao senhor governador, na tarde de dois de agosto, que não estávamos disponíveis para continuar.”

Este já não era o primeiro revés da equipa de Bento - que contava com José Honório e João Moreira Rato. Dias antes da resolução, no dia 29, por carta, Pedro Duarte Neves, vice-governador do BdP, pediu-lhe um plano de recapitalização do banco, para fazer face à situação de quase insolvência do BES, que tinha um problema de liquidez, agravado pela descapitalização feita para tentar remediar as dívidas do GES, e pelos créditos à filial angolana. Deu-lhe dois dias.

“Ainda hoje não sei se houve ou não investidores interessados no banco”, confessou Bento, aos deputados. “Não haveria seguramente para capitalizar o banco em um ou dois dias…”. 

O que Bento sabe, e afirmou aos deputados, é que da parte do Governo a recapitalização, e a utilização de dinheiros públicos disponibilizados pela troika, “não seria uma das preferências”.

Vítor Bento, que foi conselheiro de Estado indicado pelo Presidente da República, tentou limitar a divergência com Maria Luís Albuquerque. “O facto de haver dois relatos não exactamente coincidentes não significa que os dois relatos sejam contraditórios”, afirmou, atribuindo as discrepâncias a “memórias diferentes” do que se passou. “É natural que todos nós tenhamos das mesmas conversas percepções diferentes.”

As memórias da ministra são claras, tal como afirmou aos deputados: “Vítor Bento não me veio pedir dinheiro.” Na sua audição, no dia 19 de Novembro, a ministra garantiu que “nunca foi apresentado ao Governo qualquer pedido de recapitalização pública do BES”.

Com muitas cautelas - “Tenho que ter o cuidado, se está á procura de uma contradição, de não alimentar uma polémica” - Bento conta uma história diferente. Na reunião com Maria Luís, no dia 30 de Julho, a liderança do BES (Bento, Honório e Moreira Rato) pediu ao Governo uma “declaração” pública de que poderia vira a fornecer liquidez ao banco ou, nas palavras em financês usadas por Vítor Bento, "assumir publicamente que funcionaria como backstop de capital". Saiu do encontro com a convicção de que “seria difícil”. “Fiquei convencido que não seria uma das preferências.” Para Bento, a ministra recusou, "com receio que isso afastasse os investidores privados”.

Por isso, a conversa não avançou. “Nós nunca pedimos à ministra a utilização da linha de recapitalização”, frisou o ex-líder do Novo Banco. Contudo, esclareceu: “Antes de fazermos um pedido formal temos de saber qual a resposta.”

Passada a resolução, e certa que estava a venda “rápida” do Novo Banco, de que Bento discordava, a demissão oficializar-se-ia, no dia 13 de Setembro. Apesar do “spin” que acusou, não era esse o desfecho que pretendia. “O meu objectivo era ficar um conjunto de anos. O suficiente para dar a volta.”

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