Os dados e as suas interpretações

1 - Os dados da execução orçamental de Setembro confirmam aquilo que já se vinha desenhando desde o mês passado, isto é, que se excluirmos a operação financeira envolvendo o BES que poderá ou não ir ao défice (depende da decisão do EUROSTAT: em minha opinião, com os dados actualmente disponíveis, não deveria ir) e ainda o impacto do alargamento do perímetro das administrações públicas, o défice deste ano deve rondar os 4% do PIB, cumprindo-se o objectivo para 2014.

Curiosamente, o governo deverá alcançar o objectivo global embora tal não aconteça individualmente com cada parcela. Para perceber isto façamos um exercício algo diferente. Comparemos o OE 2014 (1º rectificativo, OER) que nos dá as intenções do governo ex ante para 2014 com a execução de 2013 (desvio A). Comparemos a seguir a execução por nós estimada para o final de 2014 com a execução de 2013, isto é, as variações homólogas (desvio B). O leitor facilmente verificará que a diferença de B) para A) dá o desvio da execução estimada para o final 2014 em relação ao orçamentado (desvio C) que temos aqui apresentado mensalmente.

Assim, no caso dos impostos, o governo fez um orçamento cauteloso e sub-orçamentou: considerou que a receita fiscal ia descer (cerca de 700 M€) quando na realidade ela vai subir em relação a 2013 cerca de 1200 M€, ou seja, o desvio C estimado é de quase 1900 M€. No caso das despesas com pessoal, o Governo também sub-orçamentou, em parte porque foi demasiado optimista em relação ao programa de rescisões na administração pública, em parte devido à decisão do Tribunal Constitucional. Orçamentou uma descida de gastos com pessoal de 880 milhões no Estado e de 101 milhões nos Fundos e Serviços Autónomos, o que seria uma redução significativa. Na realidade, esperamos que a variação face a 2013 seja de uma subida de cerca de 1008 m€.Neste caso, e ao contrário do anterior, o impacto no défice é obviamente negativo.

No campo das pensões, e para não maçar o leitor com mais números, a ideia essencial era manter a despesa com pensões da segurança social (S.S.) e aumentar apenas as da Caixa Geral de Aposentações (CGA). Na realidade haverá aumentos significativos nas pensões quer do regime geral da S.S. quer da CGA. Estes aumentos agravariam significativamente o défice, não fosse um aumento concomitante das contribuições sociais para a S.S e para a CGA, devido em parte ao aumento da taxa contributiva.

A contribuir também para alcançar o objectivo para o défice, estão “poupanças” no conjunto das prestações sociais, em particular o subsídio de desemprego e a acção social. O governo previa aumentar ligeiramente o subsídio de desemprego, mas reduziu-o significativamente. Isto foi devido essencialmente a dois tipos de efeitos. Por um lado, através da diminuição dos desempregados, sobretudo pela colocação de jovens em estágios do IEFP, usando fundos europeus. É uma medida com a qual concordo, pois de forma engenhosa e indirecta vai de encontro ao que tenho defendido que deveria ser feito de forma mais transparente e directa. A União Europeia deveria co-financiar as prestações sociais de países que têm elevadas taxas de desemprego transferindo assim parte dos custos do ajustamento para a UE (esta medida é, porém, no quadro europeu actual, impossível). A comparticipação das bolsas de estágio é neutra no défice orçamental enquanto o subsídio não é. Porém, se de alguns dos estágios não resultarem empregos permanentes, está-se apenas a escamotear o desemprego.

Há, porém, outra razão para a diminuição do número de desempregados inscritos nos centros (que passaram de 689, 9 mil em Junho de 2013 para 624,2mil em Agosto deste ano) que resulta do aperto das condições de elegibilidade e de haver um maior número de desempregados sem receber subsídio de desemprego (de 43% para 48,9% nesses meses), o que deve ser motivo de preocupação.

2 - Face aos dados da execução orçamental (e ao Orçamento de Estado) há diferentes e frequentemente opostas interpretações no espaço público. Há, porém, posições que não consigo compreender, pelo menos no quadro de quem pensa que é desejável reduzir o défice orçamental que é o caso de muitos portugueses. Observar um aumento da receita fiscal e criticar, analisar qualquer corte de despesa e recusá-lo e querer reduzir o défice são três coisas logicamente impossíveis de satisfazer ao mesmo tempo, sem alteração das restrições externas (seja a renegociação da dívida ou outra).

Sugerir correcção
Ler 3 comentários