Reacções à proposta para a sobretaxa de IRS: ex-secretário de Estado critica imprevisibilidade

Sérgio Vasques diz que o Governo encontrou uma solução técnica para resolver um problema político.

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Maria Luís Albuquerque tem de entregar o OE no Parlamento até quarta-feira Daniel Rocha

O Governo prevê manter a sobretaxa de IRS de 3,5% no próximo ano, com o compromisso de ser devolvido aos contribuintes uma percentagem do valor pago, através de um crédito fiscal fixado em função do aumento adicional da receita fiscal.

O fiscalista Sério Vasques, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no último Governo de José Sócrates,  critica a imprevisibilidade para as contas dos contribuintes que resultará da indexação da descida da sobretaxa do IRS às receitas fiscais. E considerou que remeter os custos para 2016 é desonesto.

“Acho que isto introduz um elemento de alguma incerteza no IRS", afirmou à agência Lusa, lembrando que "os contribuintes, quando começam a trabalhar no início do ano, precisam ter alguma segurança quanto ao que vão pagar no final do ano”.

Numa primeira leitura, avançou Sérgio Vasques, “parece uma grande trapalhada” e “uma solução técnica encontrada para resolver um problema político”. Segundo este fiscalista e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a medida tem como base “um facto desconhecido e incerto e de comprovação muito difícil, porque determinar que [parte] da receita fiscal resulta do combate à fraude ou crescimento à economia ou de opções das empresas e das famílias é extremamente difícil”.

Além disso, acrescentou, a situação cria outro problema: tomar “opções cujo custo é deslocado para o Governo que vem a seguir”, o que, para Sérgio Vasques, é “do ponto de vista político e intelectual”, uma opção desonesta. “Julgo que isto vai depender de dois factores fundamentais: o comportamento da economia e um cálculo político eleitoral por parte do Governo”, defendeu o também professor de Direito Fiscal da Universidade Católica.

“Acho que, lá para o [próximo] verão, teremos resultados quanto ao combate à fraude [fiscal] e vamos estar entre duas condicionantes: se a economia se aguenta o suficiente para sustentar a receita fiscal ou se, em função do evoluir do calendário político, é ou não imprescindível atribuir esta prenda aos contribuintes em véspera de eleição”, concluiu.

Presidente da CIP fala numa “medida responsável”
Por seu lado, o presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal considera a solução “uma medida responsável”. “Todos chegaram a recear medidas eleitoralistas, este é o último orçamento deste Governo, estamos em pré-eleições e receávamos algum eleitoralismo neste orçamento", afirmou António Saraiva, em declarações aos jornalistas à margem de uma visita que o Presidente da República ao Centro Equestre Internacional de Alfeizerão, no concelho de Alcobaça, no âmbito do Roteiro para uma Economia Dinâmica.

Considerando que foi “o acordo possível” dentro da “sensatez” que o Orçamento de Estado para 2015 exigia e do “braço-de-ferro entre PSD e CDS”, António Saraiva destacou o facto de se tratar de uma medida “não eleitoralista”, uma vez que os reflexos em sede de IRS apenas se vão obter em 2016.

“Não temos muita folga, não há margem orçamental para grandes medidas eleitoralistas, por isso foi um acordo realista, é um acordo que peca talvez por defeito por não atingir alguns dos objectivos que todos desejaríamos de retoma, de estímulo à economia, mas é um acordo realista”, sublinhou, lembrando “a situação em que o país ainda se encontra”. Relativamente ao IRC, o presidente da CIP realçou que, além da redução de dois pontos percentuais que já estava prevista, seria importante a existência de “previsibilidade fiscal”, pois é isso que atrai o investimento e dá garantia aos investidores para realizarem os seus investimentos num quadro de previsibilidade.

Bastonário da OTOC levanta dúvidas
O bastonário da Ordem dos Técnicos de Contas disse que a indexação da redução da sobretaxa de IRS ao aumento da receita fiscal é uma medida inédita que levanta dúvidas por poder estar a impor obrigações a um novo Governo. “Desde que me recordo é a primeira vez que isto é feito”, afirmou Domingues Azevedo a propósito da intenção do Governo de incluir no Orçamento de Espado para 2015 a possibilidade de diminuir ou extinguir a sobretaxa de IRS, caso o aumento das receitas fiscais seja suficiente para cobrir aquele valor.

No entanto, a acontecer, essa solução só terá efeitos práticos em 2016, já que a decisão dependerá das receitas obtidas em 2015. Isto “levanta outro problema”, admitiu o bastonário Ordem dos Técnicos Oficias de Contas (OTOC). “O que se está a falar é algo mais complexo, de moral política. O Governo pode estar a impor ao novo Governo uma obrigação”, referiu, considerando tratar-se de “uma estratégia política”. Embora defenda que a medida não deverá colocar problemas de constitucionalidade, Domingues Azevedo afirmou que poderá causar outros problemas.

“Não deixa de haver aqui uma interferência de Estado, ou seja, não deixa de haver aqui uma decisão de terceiros que este Governo - caso perca as eleições - não tem legitimidade para tomar”, disse. “Tenho dúvidas de que seja inconstitucional, mas poderá ser imoral politicamente", referiu, acrescentando que a medida constitui “uma estratégia política” que visa “criar a esperança de que se vai reduzir o IRS”.

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