Há um vírus na cimeira em que Obama procura deixar um legado em África

O surto do ébola que está a alastrar na África Ocidental concentra as atenções no arranque da ambiciosa cimeira EUA-África que o Presidente organiza em Washington.

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“Este é um acontecimento verdadeiramente histórico", disse Obama antes do arranque dos trabalhos Larry Downing/reuters

A agenda da primeira cimeira de líderes africanos promovida pelo Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, numa tentativa de contrabalançar a crescente influência económica e política da China no continente, acabou por sofrer uma alteração de última hora, resultado das contingências regionais. Com mais de 800 mortes provocadas pelo vírus do ébola na costa Oeste de África, é o risco de expansão da epidemia que está a concentrar as atenções antes do arranque dos trabalhos.

A chegada a Washington dos participantes no encontro foi uma primeira demonstração da preocupação norte-americana com a eventual propagação do vírus, que se tem revelado fatal para cerca de 90% dos infectados. No aeroporto, por precaução, os delegados da cimeira foram recebidos numa zona especial e sujeitos a testes médicos. Os chefes de Estado da Guiné Conacri, Serra Leoa e da Libéria— os países por onde avança a epidemia — não viajaram para a América, ficando em casa para responder à situação de emergência de saúde pública com que se debatem.

No entanto, apesar dos receios provocados pelo último surto de ébola, os assuntos económicos e de desenvolvimento continuarão a ser a prioridade dos trabalhos na cimeira de Washington — uma reunião de três dias, com mais de 50 chefes de Estado e líderes governamentais, empresariais e religiosos africanos, que manterão contactos com vários responsáveis do Governo e do sector privado dos Estados Unidos.

Vários analistas norte-americanos descrevem a iniciativa da Casa Branca como uma tentativa — porventura tardia — da Administração Obama para construir um “legado” africano, um continente que por força da urgência de várias crises internacionais parece ter sido relegado para o segundo plano da política externa norte-americana. Depois de uma curta visita ao Gana em 2009, Obama fez um périplo africano em 2013 para recuperar o entusiasmo da região com a sua presidência.

Esse é, também, o objectivo do evento de Washington, intitulado “Investir na Próxima Geração”. O encontro é, ao mesmo tempo, um “reset” das relações diplomáticas e uma nova concentração de esforços económicos em África, com enfoque particular no comércio e investimento em sectores sensíveis como o da energia. Mas os temas da segurança, governação, democracia e direitos humanos também foram incluídos na ordem de trabalhos.

A China à frente

Na última década, enquanto os Estados Unidos investiram uma média anual de 85 mil milhões de dólares em África, a relação económica da China com o continente disparou e ascende agora a mais de 200 mil milhões de dólares por ano. Como escrevia o senador democrata Chris Coons na CNN, “os chineses viram aquilo que as empresas americanas não viram: que seis das dez economias mundiais com maior crescimento estão na África subsariana”. Depois de se tornar o maior parceiro comercial dos países africanos, Pequim passou a beneficiar da “boa-vontade” dos Governos — “Sempre que a China quer alguma coisa, sejam direitos de exploração mineira ou exclusividade portuária, oferece presentes como por exemplo a construção de infra-estruturas”, observa Coons.

E não foi só a China que se apercebeu do potencial e da oportunidade que os países africanos representam para a expansão dos seus interesses económicos: também a Rússia, o Brasil e a Índia têm vindo a dedicar uma atenção especial aos negócios com o continente. Mas como distinguiu Ben Rhodes, conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, os Estados Unidos “estão menos focados em extrair os recursos africanos, e mais interessados em aprofundar o investimento e as relações comerciais com os países de África”, notou, citado pela Associated Press.

Assinalando a importância da iniciativa, o Presidente Barack Obama lembrou que “a África é um dos continentes onde a América é mais popular e onde existe uma grande afinidade com o nosso modo de vida”. Num encontro com 500 estudantes e activistas africanos em Washington, Obama disse que a economia africana está em franco crescimento, “há mercados dinâmicos e prósperos, e empresários e pessoas extremamente talentosas. “Este é um acontecimento verdadeiramente histórico: nunca nenhum Presidente reuniu tantos chefes de Estado e governantes africanos”, frisou, notando que quase todos os países foram convidados (as excepções foram o Zimbabwe, Sudão e República Centro Africana, por questões de desrespeito dos direitos humanos).

A cimeira de Washington servirá para formalizar uma série de iniciativas para aumentar o investimento. Os Estados Unidos vão anunciar a disponibilização de uma linha de mil milhões de dólares destinada ao financiamento de diferentes projectos na região, bem como o reforço das verbas dos programas de cooperação nas áreas da agricultura e alimentação, e da iniciativa “Power Africa” lançada no ano passado por Obama para levar o abastecimento eléctrico a 20 milhões de residências. A Casa Branca espera ainda que a presença dos líderes africanos motive o Congresso a renovar o “African Growth Opportunity Act”, um programa comercial que concede facilidades alfandegárias para a entrada de produtos africanos no mercado norte-americano, e que expira em 2015.

A Administração também está disposta a aumentar a presença militar em países africanos: actualmente, o comando dos Estados Unidos em África integra cerca de 3500 soldados, um número que poderá crescer para combater os movimentos extremistas que se têm multiplicado — os islamistas do al-Shabaab na Somália ou o Boko Haram da Nigéria — e os brutais senhores da guerra que dominam o território do Sahel.

À margem do encontro, várias organizações financeiras internacionais vão anunciar medidas para a contenção da epidemia do ébola em África. O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Donald Kaberuka, disse à Reuters que a organização vai transferir 50 milhões de dólares para sustentar os esforços da Serra Leoa, Libéria e Guiné Conacri. O Banco Mundial também deverá dar a conhecer medidas para travar a epidemia de ébola até ao fim desta semana.

 

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