Governo iraquiano perde controlo sobre a fronteira ocidental

Kerry promete a Bagdad apoio de Washington no combate a uma "ameaça existencial". Conquista de postos fronteiriços aproxima ISIS do ambicionado califado islâmico.

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Os rebeldes encabeçados pelo ISIS controlam já 90% da província de Anbar AFP/HO/Welayat Salahuddin

É já escasso o terreno sob controlo do Governo iraquiano no Oeste do Iraque. Culminando um fim-de-semana de avanços, os rebeldes encabeçados pelos jihadistas do ISIS capturaram no domingo o último posto fronteiriço com a Síria ainda em poder do Exército que, num novo sinal de fragilidade, abandonou também a única passagem oficial entre o Iraque e a Jordânia. A ameaça de um califado integrista, estendendo-se do Leste da Síria às regiões sunitas do Iraque, tornou-se um pouco mais real – a vizinha Jordânia colocou já as suas forças em alerta.

As novas derrotas antecederam a chegada a Bagdad do secretário de Estado norte-americano para transmitir pessoalmente a Nouri al-Maliki o que lhe tem sido dito através dos canais diplomáticos. Numa conferência de imprensa no final da reunião, John Kerry insistiu nos seus apelos à formação, o quanto antes, de um governo de abrangente, mas garantiu também que Washington está disponível para fornecer a Bagdad um apoio “firme e prolongado” para combater uma rebelião que disse ser uma "ameaça existencial" para o país.


Promessa que os acontecimentos das últimas horas na província Anbar torna mais urgente. As informações sobre os avanços são escassas – não há jornalistas e a província é maioritariamente um deserto pontuado por cidades –, mas fontes do Exército iraquiano contaram à AFP que o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), grupo jihadista inspirado na Al-Qaeda, se apoderou do posto fronteiriço de Walid e que a guarnição militar se retirou para uma posição algumas dezenas de quilómetros mais a Sul. Na sexta-feira e no sábado, o Exército iraquiano tinha já efectuado “retiradas tácticas” do posto fronteiriço de Qaim e das cidades de Rawa, Anah, (situadas no vale do rio Eufrates) e Rutba, localidade estratégica junto à auto-estrada que liga Bagdad à Jordânia. Era por ali que transitava a maior parte dos passageiros e mercadorias entre os dois países, mas os combates dos últimos meses tornaram muito perigosas as viagens.

A conquista dos dois postos fronteiriços – um terceiro está desde a semana passada na mãos das milícias curdas – permite ao ISIS ligar sem entraves as a frente de combates no Iraque às posições que controla na província síria de Deir Ezzor, transferindo militantes e armas à revelia de qualquer controlo. Uma vitória estratégica que, sublinhou a Reuters, aproxima a rebelião “do seu objectivo de erradicar de uma vez as fronteiras modernas e erguer um califado de ambos os lados”.

Como se não bastasse, militares jordanos e iraquianos confirmaram à Reuters as informações de que a guarnição responsável pela segurança do posto fronteiriço de Turaibil, a única ligação oficial entre os dois países, abandonou o local. O vazio foi preenchido por combatentes tribais que, segundo um líder local ouvido pela Reuters, estavam nesta segunda-feira em negociações com o ISIS para a entrega do posto, “numa tentativa para evitar o derramamento de sangue e garantir a segurança dos funcionários do posto”. “Estamos a receber mensagens positivas dos rebeldes”, garantiu o responsável.

A Jordânia, que há muito tempo não esconde o receio de que os extremistas virem a sua atenção para o país, colocou as suas forças em estado de alerta ao longo dos 180 quilómetros de fonteira com o Iraque. Uma fonte do Exército jordano garantiu, no entanto, que o país detém o pleno controlo da linha de demarcação.

A ofensiva dos últimos dias mostra também que, depois de uma pequena pausa no início da semana passada, os rebeldes estão apostados em concluir a conquista de Anbar, a grande e desértica província de maioria sunita. Um dirigente local disse à AFP que 90% da província está já na posse da rebelião, que apesar de encabeçada pelo ISIS reúne também milícias tribais e grupos formados por antigos militares do regime de Saddam Hussein.

Nas últimas horas, as atenções viraram-se para Haditha, cidade situada alguns quilómetros a sul de Rawa e Anah, e a barragem com o mesmo nome que é uma das principais fontes da electricidade consumida no Iraque. O jornal britânico Guardian noticiou que o Exército fez explodir uma ponte que dava acesso ao local e enviou reforços para a zona, mas havia também indicações de negociações entre as tribos locais e o ISIS para permitir a entrada destes, sem combate, na cidade. No Norte do país, há notícias de que o ISIS reconquistou a totalidade da cidade de Tal Afar, incluindo o aeroporto que o Governo iraquiano pretendia usar para lançar a contra-ofensiva destinada a reconquistar Mossul, a segunda maior cidade do Iraque.

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