Milícia xiita mostra a sua força em Bagdad e alimenta fantasma da guerra sectária

Minoria sunita teme consequências da mobilização contra os jihadistas do ISIS. Na capital teme-se o regresso da violência que sangrou o Iraque em 2006 e 2007.

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Demonstração de força dos homens de Sadr Wissm al-Okil/Reuters
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A guerra não anda longe, e o medo instalou-se em Bagdad sem que se tenham ouvido os tiros da batalha. Há ansiedade nas conversas, gente que abasteceu a despensa e se fechou em casa e quem tenha decidido partir para locais mais seguros, – uns temendo a chegada aos jihadistas à capital, outros porque antecipam o regresso do conflito sectário que entre 2006 e 2007 sangrou o Iraque. Um fantasma alimentado pelo o imponente desfile deste sábado das milícias de Moqtada al-Sadr, o radical xiita que lutou contra os americanos e o Governo iraquiano e que agora jura defender a capital.

A marcha pelas ruas de Sadr City, o muito pobre subúrbio xiita a norte de Bagdad, foi antes de mais uma demonstração de força de Sadr, destinada a servir de aviso tanto aos jihadistas, como ao Governo de Nouri al-Maliki. O primeiro-ministro é o seu grande inimigo dentro da comunidade xiita, a quem tem acusado de ter alimentado a revolta sunita que deu força à ofensiva lançada há dez dias pelo Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS).

À cabeça da parada avançaram camiões equipados com lança-rockets e mesmo alguns mísseis. Atrás, marcharam filas ordenadas de milicianos, muitos de uniforme militar, empunhando bazucas, metralhadoras, espingardas de assalto, contam os jornalistas que foram a Sadr City para assistir a um desfile que um porta-voz do líder radical tinha prometido juntaria tantos combatentes “que o sol deixaria de se ver”.

Moqtada al-Sadr assegura que as Saraya al-Salam (Brigadas da Paz) são uma força defensiva, que criou para proteger a capital e os lugares sagrados do islão xiita. Mostra-se mesmo relutante em lançar os seus homens na contra-ofensiva com que o Exército, engrossado por dezenas de milhares de voluntários xiitas e com o apoio de outras milícias, tenta recuperar algum do terreno perdido para os radicais. “Não vamos ser arrastados para uma batalha sectária”, disse ao Financial Times Sayyid Ibrahim al-Jabiri, o principal líder em Bagdad da formação leal a Sadr.

Mas a nova força mais não é do que um ressurgimento do Exército de Mahdi, o grupo paramilitar que o líder radical criou em 2003 para resistir à ocupação norte-americana e que, três anos mais tarde, foi um dos protagonistas do guerra entre sunitas e xiitas. Oficialmente desmantelada em 2008, após uma ofensiva ordenada por Maliki, a milícia que chegou a ter 60 mil homens nunca desapareceu verdadeiramente e vários grupos reivindicam-se hoje como seus herdeiros.

Não será, por isso, de espantar que o desfile deste sábado tenha alimentado um pouco mais os receios da minoria sunita, que assiste preocupada à mobilização dos xiitas desde que o grande ayatollah Ali Sistani os convocou para defender o país dos terroristas. Um medo que o correspondente do Daily Telegraph encontrou quando visitou Adel, um bairro de maioria sunita na zona ocidental de Bagdad. “Não há um dia em que eles não desçam a rua, a gritar e a mostrar as suas pistolas e espingardas”, contou o lojista Imad Ahmed, referindo-se às dezenas de pick-ups carregadas de milicianos xiitas, alguns deles ainda com os lenços do Exército de Mahdi na cabeça, que atravessam diariamente o bairro, num misto de ameaça e desafio.

Em 2006, o bairro esteve na linha da frente do conflito sectário, com atentados e execuções quase diárias, e nem a normalidade reconquistada nos últimos anos impede muitos habitantes de entenderem as razões que levaram parte da população de Mossul, maioritariamente sunita, a não se opor ao ISIS. “O governo tratava-os muito mal, fez detenções em massa e por isso as coisas explodiram”, disse ao jornal outro comerciante.

“Mas porque é que eles chegaram [à província de] Salahedin e pararam? Vai ser mau para nós, os sunitas de Bagdad, se o ISIS libertar o Norte e nos deixar aqui. Vamos ficar à mercê das milícias”, questionava-se um antigo combatente ouvido por um jornalista do Guardian num bairro da zona norte da capital, dando voz aos mesmos cálculos que levaram tribos sunitas e antigos comandantes de Saddam Hussein e aliar-se aos jihadistas no Norte e Oeste do Iraque.

Medos que aos poucos começam a ser fundamentados, apesar das promessas das autoridades xiitas de que não iriam vingar as centenas de execuções que o ISIS fez questão de mostrar em vídeos de propaganda aterrorizante. No início da semana, 44 sunitas detidos numa esquadra de Baquba foram mortos com tiros à queima-roupa – disparados por milicianos ou militares, as versões variam. Nos dias seguintes, conta a BBC, oito homens, presumivelmente sunitas, foram encontrados mortos em bairros de Bagdad controlados por milícias xiitas. Num ciclo de retaliação idêntico ao de 2006, várias bombas foram colocados em bairros xiitas, provocando vários mortos.

No terreno, e apesar de sinais de que Exército e milícias conseguiram travar a progressão do ISIS em direcção a Bagdad, o ISIS reivindicou a conquista de Al-Qaim, um dos três postos fronteiriços com a Síria, uma vitória que lhes permitirá transferir armas e combatentes entre as duas frentes de combate.

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