Clientes dos bancos que encerram podem ficar com a vida mais complicada

Venda de carteira de activos financeiros a banco com forte presença no país é a melhor solução para os clientes

Foto
Avisos do Bnaco de Portugal sobre intermediação ilegal são recorrentes. Foto: Pedro Cunha / PÚBLICO

O encerramento da actividade comercial do Barclays e do BBVA em Portugal não põe em causa a garantia e dos depósitos e as condições contratadas nos empréstimos. Mas os clientes ficam com a vida bem mais complicada, especialmente se a saída implicar a centralização dos créditos num serviço único, gerido à distância.

A forma como os bancos encerram a actividade no país vai fazer a diferença entre gerar pequenos ou grandes transtornos para os clientes. A venda da carteira de activos (empréstimos) e de passivos (depósitos), com ou sem rede de balcões, a outra instituição presente no mercado, especialmente se esta possuir uma boa dimensão comercial, é o modelo que oferece mais garantias aos clientes. Mesmo que essa solução implique o encerramento de balcões, como aconteceu com a venda do BPN ao BIC, o acesso à rede e a serviços globais fica salvaguardada.

A concentração dos clientes em um ou mais balcões centrais, ou num serviço online, como aconteceu no ano passado com a espanhola Caja Duero ­- que fechou 14 agências em Portugal, deixando apenas um balcão em Lisboa e um serviço de homebanking - pode gerar maiores constrangimentos aos clientes. Num cenário de saída integral, o cliente fica “amarrado” ao banco antigo, ou a quem o representar, nos empréstimos, que na actual conjuntura são difíceis de transferir para outras instituições e pode representar custos elevados, e é “forçado” a iniciar um relacionamento com outro banco, desde logo porque o anterior deixa de receber depósitos. O acesso a serviços financeiros globais  inclui contas à ordem e de depósito, pagamento de compras e de serviços por transferência bancária, acesso a meios de pagamento electrónicos, empréstimos e serviços homebanking.

O Banco de Portugal (BdP) garante que “o eventual encerramento, no todo ou em parte, dos estabelecimentos que integram as sucursais ou filiais de um banco estrangeiro em Portugal não modifica as relações contratuais constituídas entre esse banco e os respectivos clientes”. E adianta que essa garantia abrange os titulares de contas de depósito, ou outras, e o crédito concedido. Esclarece ainda, em nota enviada ao PÚBLICO, que no caso de “um banco vir a negociar a transferência dos activos e passivos da sucursal ou filial para outra entidade autorizada, no quadro de uma cedência dos estabelecimentos encerrados, essa transferência far-se-á sem prejuízo da integridade das posições jurídicas dos clientes e sem diminuição da segurança das suas aplicações e dos termos e condições acordados para os seus contratos”.

Ou seja, nos aspectos essenciais, os direitos estão garantidos, mas a legislação nada estabelece sobre a forma como esses bancos vão assegurar o serviço aos clientes, nem os obriga a contratar um banco correspondente, que assegure essa tarefa de forma mais alargada. Os bancos que se preparam para sair do país podem concentrar os clientes num serviço de homebanking (serviço de Internet), que pode ser assegurado por uma entidade estrangeira, hipótese já colocada no caso do Barclays, que admite reunir a carteira de clientes de Portugal, Espanha, Itália e França num “bad bank” (banco mau, ou banco com activos pouco interessantes) e tentar vendê-la de forma segmentada ou agregada.

O constrangimento gerado pelo encerramento de bancos não é o mesmo para todos os clientes, depende muito dos produtos contratados. Eis os vários casos.

Depósitos – O reembolso dos montantes depositados e as condições de remuneração (juros) estão garantidos. Este produto é, à excepção dos depósitos complexos, que em alguns casos não são resgatáveis antes do prazo, os produtos mais fáceis de transferir. Por esse motivo, não há necessidade de, às primeiras notícias de encerramento do banco, que ainda assim pode demorar alguns meses a concretizar-se, proceder ao seu levantamento. A precipitação pode gerar perda de juros sem necessidade. A possibilidade de venda da carteira de clientes ­- e este é um dos activos que mais pode interessar aos bancos interessados -, permite a manutenção das condições acordadas, no prazo fixado.

No cenário em que não há venda da rede ou da carteira de clientes e que há a centralização dos clientes num único serviço, o cliente tem sempre tempo para mobilizar a suas aplicações para outra instituição, nos prazos de vencimento, ou seja, sem perdas. As experiências do passado mostram que os clientes procuram transferir rapidamente os depósitos, o que acarreta perdas, e desvaloriza a carteira de activos, dificultando a sua venda.

Empréstimos à habitação –  As condições acordadas têm de ser cumpridas, mas é o produto que levanta maiores dificuldades aos clientes no cenário de encerramento de um banco. Estão em causa montantes elevados, que os clientes não podem pagar de um momento para outro, e que têm um prazo longo, que em muitos casos se pode aproximar dos 50 anos. Estes contratos também não são, na actual conjuntura, transferíveis para outra instituição, a menos que o cliente aceite sofrer perdas elevadas pelos custos associados à mudança (avaliação do imóvel, emolumentos e outros custos) e pelo risco de subida de spreads (margens comercial do banco) para valores bem mais elevados.

Se a carteira de clientes for vendida, o comprador é obrigado a cumprir o que está contratado, e o transtorno pode ser mínimo se se tratar de uma instituição com presença no mercado nacional. Esta solução facilita ainda a vida ao cliente, porque pode permitir o início de um relacionamento comercial alargado com o novo banco, para aplicação de poupanças ou subscrição de outros produtos.

Mas a venda desta carteira não é fácil. A grande maioria dos empréstimos à habitação tem spreads muito baixos, entre 0,25% e 0,50%, e com as taxas Euribor em níveis muito baixas, gerando actualmente perdas elevadas para os bancos.

A transferência desta carteira de crédito para um serviço agregado pode levantar constrangimentos, desde logo porque impossibilitar qualquer alteração aos contratos por interesse dos clientes, como alargamento de prazos. Também vai obrigar a transferência de dinheiro para pagar as prestações e isso pode implicar custos.

Crédito ao Consumo –  As condições contratadas são para cumprir, mas apenas pelos prazos fixados. Os contratos que estão sujeitos a renovações automáticas (revolving), como os cartões de crédito, podem ser terminados. Ainda assim, esta carteira, sujeita a prazos mais curtos e com taxas de juro elevadas, pode ser mais fácil de vender. O Barclays, nos serviços que admite manter em Portugal, incluiu os cartões. Para os clientes é que não pode ser muito prático ter depósitos e conta-ordenado num banco e cartões noutro, até pelos custos das transferências de dinheiro, que mesmo pela Internet, começam a ter custos que não são desprezíveis. Também neste domínio, a venda da carteira de crédito a outra instituição presente no mercado, pode ser a melhor solução.

Crédito às empresas – O encerramento de um banco pode levantar graves problemas às empresas com empréstimos nessa instituição. As condições destes empréstimos são para cumprir, mas muitos contratos têm prazos curtos e estão sujeitos a renovações periódicas. No fim dos prazos, nada obriga os bancos a renová-los. Antes mesmo do anúncio de encerramento, os bancos vão procurando reduzir esta carteira de crédito, não renovando empréstimos ou reduzindo o plafond autorizado. Os clientes empresariais acabam por ser forçados a pedir empréstimos noutros bancos, numa conjuntura adversa, de menor concessão de crédito e de taxas de juro mais altas. A venda desta carteira também pode minorar os prejuízos para estes clientes.
 

  

Sugerir correcção
Comentar