Um país a funcionar com cartões, caixas automáticas e ainda bitcoins

Há um ano, durante 13 dias, Chipre funcionou sem bancos e com muito pouco dinheiro.

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Uma fila para levantar dinheiro durante o encerramento bancário em Chipre Nuno Ferreira Santos

No sábado dia 16 de Março de 2013, os habitantes de Chipre acordaram para o que seriam quase duas semanas de uma vida muito diferente: os bancos tinham encerrado e assim ficariam até ao dia 28. Nunca um país esteve tanto tempo com a banca de portas fechadas.

Com negociações a decorrer ao nível europeu e uma incerteza permanente sobre o destino dos depósitos, a economia funcionou com base em cartões bancários e no dinheiro das caixas automáticas, cujos levantamentos eram controlados. As filas frente às caixas automáticas correram a imprensa mundial. O dinheiro físico escasseou e as moedas eram ainda mais raras do que as notas. Alguns negócios - como o dos táxis - passaram cobrar em múltiplos de cinco ou dez, para os pagamentos poderem ser feitos em notas. Algumas lojas davam troco em chocolates. Os comerciantes de cofres foram subitamente inundados por pedidos de informação de potenciais compradores interessados em guardar dinheiro em casa. 

Naquele sábado, os serviços online dos bancos passaram simplesmente a informar os utilizadores que não estavam disponíveis. Os saldos podiam ser consultados, mas nenhuma transacção podia ser feita. Os depósitos não podiam ser levantados. Aqueles que tinham depósitos prestes a vencer viram-nos serem renovados automaticamente. 

A desconfiança em relação ao sector bancário poderá ter levado mesmo ao emergir de uma moeda virtual chamada bitcoin, que até então tinha estado submersa, usada por entusiastas da tecnologia ou como meio de pagamento de negócios ilegais. O preço das bitcoins disparou com a crise em Chipre e a atenção mediática seguiu o mesmo caminho. 

A forma como a economia de um país funcionou durante 13 dias com bancos encerrados é narrada num artigo académico intitulado “Quando os cartões e as caixas automáticas são a última escolha: uma quinzena em Chipre sem sistema bancário, e sem confiança”. O trabalho foi escrito no ano passado por dois investigadores cipriotas, Leonidas Efthymiou e Sophia Michael.

O artigo nota que, antes de Chipre, a Argentina tinha fechado os bancos durante dez dias, entre 20 e 29 de Abril de 2002. Naquele dia, também um sábado, o Governo argentino, a braços com uma crise financeira, tinha decretado o encerramento dos bancos por tempo indeterminado. Antes disso, segundo Efthymiou e Michael, o maior fecho bancário tinha acontecido nos EUA, entre 8 e 13 de Março de 1933. “Há uma grande semelhança que se destaca entre os fechos de bancos em cada país, que é a prevenção de uma corrida aos depósitos num período de crise financeira”, escreveram.

Economia paralela
Com o dinheiro físico a tornar-se um bem escasso, algumas lojas e empresas deixaram de aceitar pagamentos com cartões. Nestes casos, o dinheiro recebido ia para uma conta bancária e não havia certezas de conseguir movimentar os montantes. 

No meio disto, o banco central apelava a que as pessoas e negócios continuassem a usar cartões bancários e dava instrucções para que as caixas automáticas estivessem abastecidas de notas, embora com limites ao que cada pessoa podia levantar. No entanto, esta situação tornava-se particularmente difícil para uma parte da população (alguns idosos, por exemplo) que não usava cartões.

A 24 de Março, os limites de levantamentos diários baixaram. Passaram a ser de 100 euros no Banco Popular e de 120 euros no Banco de Chipre. No Banco Helénico, o limite permanece nos 1000 euros. No dia seguinte, os clientes daqueles dois bancos receberam a má notícia: no caso do Banco Popular, os fundos nos depósitos acima de 100 mil euros seriam alvo de um corte total; no Banco de Chipre, o corte acabou por ser de 37,5%. Os valores estavam muito acima do que inicialmente fora comunicado.

Um país com pouco dinheiro a circular leva ao crescimento de uma economia paralela, não baseada em dinheiro, dizem os dois investigadores. Isto significa a troca directa de bens e serviços, mas também o uso de sistemas digitais. Algumas localidades cipriotas criaram um sistema que permitia a pessoas venderem bens e serviços e serem pagas em pontos, que podiam ser trocados num site por outros bens e serviços. Este tipo de transacções já estava a acontecer informalmente. 

Além disto, a crise no Chipre marcou o início da ascenção das bitcoins, uma divisa virtual criada há cinco anos, que é gerada automaticamente numa rede de computadores a que qualquer pessoa se pode ligar. “A Bitcoin é uma divisa popular entre investidores e depositantes que estão preocuados com a segurança da banca tradicional e do dinheiro em papel. Para seremos sinceros, não sabemos se os acontecimentos em Chipre aumentaram a popularidade das bitcoins, mas o episódio de Chipre somou-se à lista de preocupações [relativas aos bancos], levando a uma fuga do sistema da banca tradicional”, escreveram Efthymiou e Michael.

O preço das bitcoins disparou naquela altura e continuou a subir nos meses seguintes, embora com enormes oscilações. Recentemente, várias autoridades financeiras e bancos centrais alertaram para os riscos do uso de bitcoins. Mais recentemente, o fecho inesperado de um dos maiores sites de compra e venda da divisa significou a perda de milhões de euros e veio ensombrar a moeda.

Os bancos reabriram na terça-feira, 28 de Março, embora com limitações na circulação de capitais, inéditas no espaço europeu.

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