O Tribunal Constitucional e o corte de pensões

Há sempre a esperança de que o Tribunal Constitucional decida sem “violação do princípio da protecção de confiança”.

Leio a notícia de que um eurodeputado do PS defende que o Tribunal Constitucional pode viabilizar o corte de pensões recomendando cautela aos “leigos”, que asseguram que o diploma do Governo tem chumbo assegurado no processo de fiscalização preventiva e adianta três argumentos para um desfecho favorável ao Governo, aconselhando mais prudência aos que apostam na verificação de uma “violação da protecção da confiança”, incluindo a direcção do PS.

Neste tempo invernoso, fechado, parece faltar o horizonte. Mau, muito mau para fim e começo de ano. Se tivéssemos de sonhar o futuro, mal iria o país por esta amostra. Mas como uns dias chove e outros são de bom tempo, haverá sempre uma probabilidade de esperança.

A esperança de que o Tribunal Constitucional decida sem “violação do princípio da protecção de confiança”.

A supremacia das razões financeiras do direito europeu e da existência de um outro qualquer princípio importado do direito constitucional europeu – o princípio da sustentabilidade orçamental – gozando de primazia sobre os princípios do direito constitucional interno pelos vistos, para alguns, depende da capacidade de se mostrar que não há medidas menos gravosas nem mais equitativas para se alcançar os mesmos objectivos de redução do défice orçamental a que o país está obrigado, isto é, na actualidade, em nome da redução do défice orçamental tudo é possível, inclusive a violação de princípios constitucionais internos, dispondo ainda os juízes de uma margem menor ou maior de liberdade nas decisões.

Não sei se não estamos, entre muitas outras situações, já do conhecimento público, perante mais uma indirecta pressão sobre o Tribunal Constitucional. Esta agora revestida de pormenorização técnico-jurídica, a justificar que, em nome da redução do défice orçamental, caso não existam medidas menos gravosas nem mais equitativas, tudo afinal é neste país possível.

Sabendo-se que o Tribunal Constitucional é constituído por juízes, juristas, dou um contributo técnico orçamental, que ajudará à não violação do princípio da “protecção da confiança”, que implicitamente, para quem recomenda prudência, até acaba por reconhecer estar a ser violado, sobrepondo apenas o princípio constitucional europeu de sustentabilidade orçamental.

Bom, vamos então às medidas substitutivas, mais equitativas e menos gravosas, do que o corte de pensões proposto pelo Governo:

No orçamento, o Governo corta nas pensões de reforma 728 milhões de euros, isto em nome da falaciosa convergência da fórmula de cálculo das pensões da CGA com as da Segurança Social.

Propõe-se em alternativa um corte na despesa, na rubrica “outras despesas correntes”, uma espécie de “saco azul” legal de 800 milhões de euros. E justifico: não há razão para, nesta rubrica, a despesa em 2012 ter sido de 857,7 milhões de euros, em 2013 estar estimada em 1124,2 milhões de euros e para 2014 ser de 1940,4 milhões de euros. Alguém compreenderá em nome da redução da despesa, da austeridade, o corte de vencimentos e pensões e simultaneamente um acréscimo da despesa na rubrica contabilística “ outras despesas correntes” em tal dimensão e valor.

Mais, ainda podem cortar mais despesa, nomeadamente a dotação orçamental de 523,8 milhões de euros, dado que em 2013 o montante da dotação foi apenas de 20 milhões de euros.

Poderíamos adiantar muitos outros cortes na despesa, mas estes são suficientes para demonstrar que, se o Tribunal Constitucional não declarar a inconstitucionalidade do corte de pensões tendo por fundamento o princípio constitucional europeu de sustentabilidade orçamental, cedeu, rigorosamente, à inaceitável pressão revestida ou não de argumentos técnicos jurídicos.

O corte de pensões, tal qual o corte de salários no sector privado e público que a troika deseja, insere-se num modelo de perda de rendimentos dos portugueses, de empobrecimento do país. A troika tem muita outra despesa para cortar nas tais gorduras do Estado. Austeridade sim, porque não é possível continuar a aumentar a dívida pública ao ritmo que vem crescendo, mas selectiva. A opção de corte assumida é profundamente ideológica. A Europa cada vez mais se afasta do projecto de solidariedade europeia, do projecto de uma Europa social.

Termino recordando o velho ditado popular: “Todo o burro come palha.” Aconselho a que não comam palha nenhuma, seja qual for a mão que no-la tente meter na boca.

Economista e ex-deputado PS
 
 
 
 

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