"Os portugueses terão desiludido Vítor Gaspar"

O PÚBLICO desafiou economistas portugueses a analisar o legado de Vítor Gaspar. Agora é a vez de Alberto Castro. O professor na Faculdade de Economia e Gestão da UCP diz que os portugueses terão desiludido Vítor Gaspar, ao não agirem de acordo com o previsto no modelo.

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Vítor Gaspar Daniel Rocha

1. Don"t give up
Não sei se Vítor Gaspar aprecia música. Sabemos que Passos Coelho gosta de cantar (nunca perceberemos o que teria sucedido se a sua competência canora tivesse convencido La Féria a contratá-lo). A carta de demissão de Gaspar legitima a especulação de que, cantando ou não, o primeiro-ministro terá passado o último ano a lembrar-lhe a canção de Peter Gabriel Don"t Give Up (não desistas/tens amigos/não desistas/ainda não estás derrotado/não desistas/eu sei que conseguirás), podendo Gaspar responder com outros versos do mesmo tema (sou um homem cujos sonhos desapareceram/ (...) ninguém te quer quando perdes/ (...) embora o visse em toda a parte/nunca pensei que me afectasse/pensei que seríamos os últimos a ir/é tão estranho como as coisas aconteceram). Sem sucesso, como se viu.

2. O que tem de ser
Há quem continue a efabular sobre a inevitabilidade do pedido de resgate. Os próprios termos em que colocam a questão são a prova provada da situação a que se havia chegado e revelam uma curiosa noção de moral e responsabilidade. Sim, haveria dinheiro para pagar os salários dos funcionários públicos e as pensões. Não, não haveria dinheiro para solver as restantes responsabilidades, incluindo pagar aos fornecedores ou, até, os subsídios de desemprego.

Não quero com isto dizer que não houvesse alternativas ao resgate e ao memorando associado. Mais ou menos radicais, há sempre alternativas! Umas melhores, outras piores. Todas, sem excepção, com custos e benefícios. Escolher uma ou outra é, em democracia, responsabilidade dos representantes eleitos ou, no limite, matéria para referendo. Sucede que a opção do eleitorado português tem sido, desde a restauração da democracia, esmagadoramente a favor da continuidade e moderação. O acordo com a troika não foi distinto, com os partidos que o assinaram a recolherem mais de 80% dos votos.

As circunstâncias em que foi "negociado" o acordo com os credores, pelo seu timing e pelo contexto económico, financeiro e político em que ocorreu, colocaram-nos numa posição de fragilidade, como ficou patente na recente entrevista do antigo ministro das Finanças Teixeira dos Santos. A comandar os termos e condições estava a crença num modelo de explicação da economia que viria a falhar e, em particular, numa mítica "austeridade expansionista", uma narrativa bem urdida mas sem sustentação empírica consistente. Em conjunto, davam ao exercício um carácter de experimentalismo com potenciais custos sociais difíceis de compaginar com um quadro democrático, como se veio a provar.

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Esta série sobre Vítor Gaspar é financiada no âmbito do projecto PÚBLICO Mais.

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