Tribunal da UE declara lei dos despejos em Espanha "ilegal" e "abusiva"

Sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia decreta que lei hipotecária em Espanha viola a protecção do consumidor. Governo tem nova lei preparada.

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O número de despejos em Espanha disparou com o eclodir da crise Sergio Perez/Reuters

A lei hipotecária espanhola que regula os despejos é “abusiva” e “ilegal”, de acordo com a sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia conhecida nesta quinta-feira. O tribunal argumenta que a lei espanhola é “ilegal” por violar a directiva europeia de 1993 que estabelece a protecção do consumidor e “abusiva” por não considerar o desequilíbrio de forças entre as instituições de crédito e quem entra em incumprimento.

Mesmo que um despejado, em Espanha, conteste as cláusulas dos empréstimos à habitação, alegando que estas, por alguma razão, são abusivas, os processos de despejo não se interrompem. De acordo com o El País, esta foi a principal razão do veredicto desta quinta-feira do tribunal europeu. A directiva europeia de 1993 determina que a execução de um despejo só pode acontecer depois de ser conhecida a sentença de um tribunal sobre as alegadas cláusulas abusivas denunciadas pelo despejado.

Nos casos em que é provada que uma cláusula do empréstimo é, de facto, abusiva, o contraente do empréstimo receberá uma indemnização do banco, explica o El País. No entanto, mesmo que o abuso seja provado, o despejo já está executado. A sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia dirige-se também a este aspecto, afirmando que uma indemnização num caso de despejo é “incompleta e insuficiente”.

Mas o Tribunal de Justiça da União Europeia declara também que a lei hipotecária espanhola é abusiva. Isto porque não tem em consideração o “importante desequilíbrio” de forças entre o banco que ordena o despejo e o contribuinte que pediu o empréstimo.

Governo espanhol tem nova lei preparada

A jurisprudência criada pela sentença do tribunal europeu estende-se a toda a União Europeia. No entanto, os Estados-membros não são obrigados a alterar a sua lei hipotecária, caso esta viole os mesmos princípios que o tribunal europeu identificou na sentença conhecida nesta quinta-feira.

Em Espanha, porém, o Governo já tem preparada uma nova lei dos despejos, que será em breve apresentada ao Parlamento espanhol. Os deputados e responsáveis do Partido Popular e do Governo estavam, inclusivamente, à espera da sentença do tribunal europeu. De acordo com o El País, o Governo liderado por Mariano Rajoy quer ter em conta as recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia antes de apresentar a forma final da nova lei hipotecária.

Os casos de despejos têm-se multiplicado vertiginosamente em Espanha, desde que a taxa de desemprego espanhola disparou nos anos que seguiram ao eclodir da crise económica, em 2008.

O movimento popular criado para dar resposta ao crescente número de despejos, o Stop Desahucios, apresentou já três propostas para incorporarem a nova lei: parar com todos os despejos, permitir o pagamento retroactivo de prestações em atraso e, terceiro ponto, criar uma bolsa de habitações sociais para albergar os afectados pelos despejos.

As propostas contavam com 1,5 milhões de assinaturas a 6 de Março. Para além do mais, os principais partidos de oposição em Espanha anunciaram já o apoio a estas três medidas e prometeram criar legislação para as ampliar.

A lei de Mohamed Aziz

Não haveria sentença nesta quinta-feira sem Mohamed Aziz, um marroquino que foi despejado em Barcelona e que está na origem da queixa ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Mohamed celebrou um contrato de empréstimo à habitação em 2007, que cedo deixou de ser capaz de pagar. O Caixabank - banco ao qual foi pedido o empréstimo - accionou a lei hipotecária espanhola, que, por sua vez, decretou o seu despejo, a 20 de Janeiro de 2011, escreve o El País.

A ordem de despejo avançou acompanhada de uma exigência: Mohamed Aziz teria de pagar a totalidade do empréstimo ao Caixabank e ainda uma taxa de 18% pelo atraso nas prestações. Isto tudo, apesar de Mohamed ter alegado que uma cláusula do empréstimo contraído no Caixabank era abusiva por não lhe ter permitido contestar o despejo.

O caso de Mohamed Aziz foi parar às mãos do advogado catalão José María Seijo, que apresentou o processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia. O advogado de Barcelona argumentou que a lei hipotecária espanhola violava as directivas europeias, já que não impede os processos de despejo de avançarem, mesmo quando são contestadas cláusulas dos empréstimos à habitação. O caso era tão exemplar que colocou o Governo de Mariano Rajoy à espera da sentença.

O El País, que acompanhou o processo de Aziz, visitou nesta quinta-feira o marroquino e o seu advogado catalão. A data de publicação do veredicto era já conhecida e, quando finalmente foi anunciada, Mohamed recebeu o veredicto com estranheza. O marroquino perguntou ao advogado: “O que quer isto dizer?” “Hombre, significa que ganhámos”, respondeu José María Seijo, a “chorar desconsoladamente”, escreve o El País
 

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