Tribunal Constitucional absorve metade da folga orçamental do Governo

Uma das dificuldades do debate público e político neste país é que dificilmente se separa a análise positiva ou empírica, da análise normativa que, como a palavra indica, pressupõe juízos de valor. Nestas crónicas damos primazia à primeira em detrimento da segunda, pois consideramos que é necessário que haja algum entendimento comum sobre a forma como vemos a realidade.

Resumirei brevemente a noção de “folga orçamental” e explicarei como, na sequência do recente acórdão do Tribunal, metade dessa folga desapareceu. As novas contas europeias absorvem parte da folga remanescente. Um novo acórdão desfavorável obriga o governo a aumentar impostos para cumprir objetivo do défice. Aqui situo-me no âmbito da análise positiva. Na caixa discuto as implicações políticas.

Os dados deste mês confirmam aquilo que vinha do mês de Maio, ou seja, que a execução orçamental sugere que o objetivo para o défice orçamental de 4% para este ano parecia ser alcançável, tudo o resto constante. Na realidade quer a receita fiscal (IVA, IRS e em menor grau IRC) quer as contribuições sociais para a segurança social serão decerto acima do previsto. Por outro lado há uma série de despesas que parecem estar sobre-orçamentadas, em particular o subsídio de desemprego.

Ambos os factores contribuem para que o défice seja menor que o previsto em cerca de 0,7% do PIB. Seria esta a dimensão da “folga orçamental” do governo, antes do acórdão do Constitucional? Não, será decerto menor pois haverá alterações substanciais com a entrada em vigor em Setembro deste ano do novo sistema de contas europeu (SEC2010) que, como é sabido, trará para dentro das administrações públicas, logo para o défice e a dívida pública, os défices e dívidas de todas as empresas não mercantis.

O INE ainda não calculou (só o fará em definitivo em Março de 2015) o impacto destas alterações do perímetro das administrações públicas, mas seguramente que esse efeito será negativo. Por exemplo, a entrada de todos os hospitais EPE agravará o défice em cerca de 0,2% do PIB o que diminui a folga orçamental (o problema dos hospitais não é o défice mas a crescente dívida a fornecedores).

A entrada da CP, da Parpública e da EDIA aumentarão o rácio da dívida no PIB em cerca de 5,3 pontos percentuais e agravarão também o défice. Em resumo, a folga com as velhas contas (SEC95), será maior que a com as novas contas (SEC2010). A questão, não técnica, mas política, é a de saber se, e como, é que as instituições europeias (Comissão, Conselho Europeu e Conselho ECOFIN) irão redefinir as metas orçamentais para os vários países e para Portugal em particular.

O recente acórdão do Tribunal Constitucional, em particular, a declaração de inconstitucionalidade da norma referente aos cortes salariais na função pública tem também um impacto na absorção de cerca de metade da folga orçamental que o executivo tinha em Maio.

Na realidade só no corrente mês de Junho, com o pagamento de subsídios de férias (sem cortes) aos trabalhadores do Estado e dos Fundos e Serviços Autónomos, haverá um aumento líquido da despesa pública (isto é, deduzindo já as receitas de IRS e de contribuições sociais) de cerca de 350 milhões.

Aquilo que acontecerá até final do ano depende da celeridade ou morosidade do processo legislativo em torno da proposta de lei (PPL) que o Governo já apresentou na Assembleia da República para repor os cortes que vigoraram em 2011 (isto é, só a partir dos 1500 euros e com taxas de corte entre um mínimo de 3,5% e um máximo de 10%).

Essa proposta só entrará em vigor no mês subsequente à sua aprovação, pelo que se não for aprovada até às férias parlamentares o impacto do acórdão será superior. O nosso cenário central situa-se entre os dois extremos de a PPL ser apresentada, discutida, votada e promulgada em Julho ou em Setembro. No essencial, se antes do acórdão o défice estaria entre 3,3% e 3,5% (com hospitais EPE 3,5% a 3,7%), após acórdão, sem hospitais estará entre 3,6% e 3,8%. Com hospitais, o limite superior, dos 4% do PIBpm seria alcançado. Note-se porém que estamos a assumir invariante o PIB (com e sem acórdão) o que não é verdade pois o aumento de despesa, associado ao acórdão, tem um ligeiro efeito expansionista

Inequivocamente, os acórdãos têm implicações quer orçamentais quer económicas. Como se sabe está em apreciação outra medida – a contribuição especial de solidariedade – que tem também significativo impacto orçamental. A declaração de inconstitucionalidade desta norma obrigaria, agora sim, inevitavelmente o governo a subir impostos para alcançar o objetivo para o défice deste ano.   

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