Syriza? Isso não interessa nada

Quando será que a economia portuguesa dará a volta? Baseando-nos na experiência regional dos EUA, a maior probabilidade será: nunca.

Sendo mais específico: não há nenhuma razão para esperar que a economia portuguesa retorne aos níveis de emprego do pré-crise.

A taxa de desemprego continuará a baixar gradualmente e a aproximar-se da média europeia, mas isto acontecerá primariamente através da emigração da força de trabalho e menos pelo regresso de empregos.

As frases anteriores não são minhas, mas sim um remix, onde substituí "Nova Inglaterra" por "Portugal" e "EUA" por "Europa" mas também podia ter escrito Grécia, Irlanda, Espanha, Itália ou mesmo França.

As frases são do texto Lessons of Massachussets for MEU, de Paul Krugman, escritas em 1993, sobre as disparidades regionais nos EUA e os previsíveis problemas que uma União Monetária traria às vidas de muitos europeus.

Não se trata de um texto profético, mas sim de um normal exercício de análise económica.

O corolário de Krugman era suficientemente assustador para os decisores políticos dos anos noventa o ignorarem: a Europa iria ter um problema sério se começasse a experimentar os mesmos problemas que os estados americanos sem ter uma política federal à americana.

O preço a pagar pela União económica seria muito mais elevado para as populações de certos países europeus (hoje sabemos que países são esses) do que para os cidadãos americanos dos estados com os mesmos problemas.

Segundo Krugman, no contexto do Euro, seria expectável que sempre que um país perca capacidade exportadora em tempos de crise, esse país simplesmente se esvaia em capital e força de trabalho, os quais se mudam para outros países.

O texto de Krugman circula, pelo menos desde os primeiros anos da crise, nos corredores da OCDE, do BCE ou da Comissão como algo que se sabe ser verdadeiro mas que ninguém parece disposto a reconhecer, pois dizem: "estamos no meio de uma crise e, portanto, ter antecipado os problemas não ajuda nada a resolvê-los agora".

Pessoalmente, discordo dessa visão. Arriscaria a dizer que neste momento, para começar a construir uma saída (e não chegarmos a completar uma década de crise em Portugal e na Europa) precisamos de perceber exactamente porque chegámos até aqui.

Como tantas vezes referiu Yanis Varoufakis, o agora ministro das Finanças grego, temos na Europa em simultâneo um problema de crise de dívida, uma crise bancária e uma crise de crescimento. E, apesar de tudo, as duas primeiras são mais fáceis de resolver do que a última. Mas, sem resolver a crise de crescimento nunca sairemos da crise europeia.

A crise do Euro era praticamente inevitável, pois sem um federalismo económico, com uma falta de mecanismos de solidariedade de nível orçamental na União, com uma crescente heterogeneidade na produção especializada, uma desindustrialização nas periferias (e em países como a França e Itália), em conjunto com uma série de erros políticos e más respostas, seria normal chegar até 2015 neste estado de crise e debilidade.

Como sair então daqui? A resposta é trazendo a confrontação de opções políticas para o primeiro plano e fazendo um reset ao consenso político liderado pela Alemanha.

Mesmo que não gostemos pessoalmente de algum dos dois, precisamos de mais Merkels e mais Tsipras.

Porquê? Porque para sair da crise precisamos do confronto de opções políticas ao nível dos Primeiros-Ministros.

Precisamos de dar novas caras ao confronto político para que novas posições sejam colocadas em cima da mesa, precisamos romper com o status quo e a rotina que não é saudável para o crescimento económico e, por arrasto, para as democracias.

A discussão tem estado inquinada pelos temas da dívida e do estado do sistema bancário, em grande parte, porque a Alemanha não tinha um problema de crescimento e tal não seria discutido enquanto não se tornasse um problema para a economia alemã.

No fim de contas, apenas o governo alemão esteve nestes anos a fazer política. A maioria dos restantes governos foram, por diferentes razões, seguindo estratégias de curto prazo para a manutenção do poder.

Podemos pois dizer que muitos governantes europeus foram, nos últimos anos, mais aprendizes de feiticeiros em finanças e economia do que líderes políticos europeus.

Mas a vitória do Syriza muda o contexto. E muda tão só porque é diferente do que estava e permite posicionar no terreno político duas concepções diametralmente opostas.

Mas a importância das eleições gregas advêm também de ser o primeiro item de uma check-list de acontecimentos tanto económicos quanto políticos que neste ano colocarão à Alemanha (e por arrasto a todos nós) novas escolhas sobre o curso da política europeia.

Há alguns meses atrás David Marsh, director do Official Monetary and Financial Institutions Forum, partilhava, comigo e com outros colegas economistas e sociólogos, a seguinte lista de potenciais acontecimentos de quebra do status quo político europeu:

Janeiro-Abril 2015 – Debate sobre a dívida Grega e a restruturação da dívida ao mesmo tempo que a relação entre credores e devedores do quadro da zona euro se torna ainda mais desequilibrada.

Janeiro-Abril 2015 – As expectativas sobre as taxas de juro dos EUA aumentam e o valor do Euro desvaloriza ainda mais face ao dólar.

15 Fevereiro/10 Maio 2015 – As eleições nos diferentes estados alemães demonstram mais sinais de suporte ao partido anti-euro Alternativa para a Alemanha (AfD).

Março 2015 – As eleições regionais francesas trazem maior oposição às políticas de austeridade do Presidente Hollande favorecendo a Frente Nacional.

Abril 2015 – Reunião de Primavera do FMI, onde se assiste a mais críticas dos EUA às políticas económicas da Alemanha.

Maio 2015 – Potencial alarme na Alemanha sobre a possibilidade do Reino Unido abandonar a União Europeia depois das eleições gerais.

Acompanhando estes movimentos, poderemos vir a ter na Europa uma mistura potencialmente explosiva que junta o acentuar da debilidade do crescimento global à estagnação nos três maiores países do euro e à frágil recuperação na periferia.

Nos próximos meses a Europa pode tornar-se, outra vez, num epicentro de riscos globais, possuindo dentro mesmo espaço monetário alguns dos maiores desequilíbrios mundiais entre devedores (respectivamente o nº2 mundial, a Espanha; o nº 4, a Itália; e o nº 6, a França) e credores (o nº2 mundial, a Alemanha) — dois grupos com visões diametralmente opostas sobre a oposição entre inflação vs. deflação no espaço da União.

À medida que estes possíveis eventos se desenrolarem, poderemos assistir a uma nova fase de incerteza Europeia com um potencial reforço da posição Alemã, numa lógica política de "avançamos sozinhos", a par do manifestar, por outros governos, de que "Podemos" fazer política e economia de forma diferente.

Depois deste exercício de prospectiva tudo o que Krugman dizia em 1993 pode continuar a ser ignorado por quem quiser continuar a centrar-se na armadilha política da dívida e da crise bancária, mas na realidade "Isso" interessa.

"Isso" interessa-nos a todos para que, como Larry Summers referiu em Davos há dias, a Europa não seja o novo Japão do não-crescimento e Portugal não se torne definitivamente no Massachusetts da Europa com vinte anos de estagnação económica e de desemprego pela frente.

Gustavo Cardoso é investigador do ISCTE-IUL, em Lisboa, e do College d'études Mondiales da FMSH, em Paris.

 

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