PADRE propõe baixar a dívida para metade da noite para o dia. E não é milagre

Plano Politically Acceptable Debt Reestructuring in the Euro Zone coloca BCE a comprar parte da dívida dos países em dificuldade, que seria paga com os lucros que recebem do banco central.

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Banca nacional continua muito dependente do BCE Alex Grimm/Reuters

É francês, é economista e é um dos co-autores de um programa que tem dado bastante que falar por essa Europa fora. O plano PADRE – Politically Acceptable Debt Reestructuring in the Euro Zone proposto pelo economista Charles Wyplosz sugere uma reestruturação da dívida pública nos países mais endividados da Europa e que para economias como a portuguesa representaria uma redução para metade do nível de endividamento.

Nesta altura, a Europa discute as vantagens e desvantagens de uma reestruturação da dívida e o próprio presidente da Comissão Europeia nomeou um grupo de especialistas para estudar o tema. Em Portugal, o assunto saltou para a ribalta quando um grupo de personalidades apresentou o Manifesto dos 74 e mais de trinta e cinco mil portugueses assinaram uma petição para que o assunto fosse discutido no Parlamento.

Charles Wyplosz tem uma proposta concreta, que tem tanto de simples como de polémica. E vai apresentá-la esta sexta-feira no IDEFF - Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal, num debate que terá com Victor Bento, João Cravinho e José Maria Castro Caldas. Antes Wyplosz falou com o PÚBLICO sobre o PADRE.

A sugestão que Charles Wyplosz faz aos governos europeus é de colocar o BCE a comprar parte da dívida dos estados-membros mais endividados, como Portugal, e transformar essa dívida em obrigações perpétuas e sem juros. Isto permitia que, de um dia para outro, a dívida remunerada de países como Portugal caísse para metade.

E como é que o BCE seria ressarcido? O BCE, que passaria a ser o credor, seria pago com dinheiro do próprio BCE. Confuso? A sugestão de Wyplosz é que os países que beneficiarem desta reestruturação possam usar os lucros do BCE que são distribuídos aos estados-membros através da emissão de moeda (os chamados direitos de seignoriage) para repagar essa dívida, sendo que a maturidade desse pagamento teria de ser estendida por um período que poderia chegar a 100 anos

Charles Wyplosz, que também é Director do International Centre for Money and Banking Studies, de Geneve, propõe que a “tomada” de dívida por parte do BCE seja feita na proporção da quota que cada país tem no banco central. E para evitar os chamados riscos morais, ou seja, que os países aproveitem esta ajuda para descurar a subida do endividamento, o economista propõe que a dívida perpétua do BCE seja reconvertida em dívida normal e com juros, caso os estados-membros ajudados voltem a aumentar o endividamento.

Esta solução de Wyplosz, segundo o próprio, é compatível com o Tratado Orçamental, e não implica pressões inflacionistas já que a emissão de dívida nova por parte do BCE não seria monetarizada. O grande problema é passar os encargos da dívida actual para gerações futuras. Mas a isso, o economista francês responde ao PÚBLICO, numa entrevista por email, que “não existe uma outra alternativa que seja credível”.

Defende a reestruturação da dívida pública na zona euro. O que vai acontecer se a Europa recusar essa via?
A alternativa a uma reestruturação seria uma lenta erosão das dívidas actuais através de excedentes orçamentais. Este processo iria demorar 20 anos ou mais, período durante o qual o nível de endividamento continuaria extremamente elevado, o que naturalmente poderia despoletar uma nova crise das dívidas soberanas. Este é o risco que me preocupa mais. E é preciso não esquecer que, apesar de tudo, todas as dívidas públicas dos países são hoje maiores do que eram em 2007, ou seja, antes da crise.

Que países da zona euro precisam hoje de reestruturar a dívida?
Seriam sobretudo nos países mais endividados como o Chipre, a França, Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha. A Bélgica e a Alemanha também têm níveis elevados de endividamento

Portugal seria um dos candidatos naturais já que tem um rácio de dívida da dívida sobre o PIB de 130%.
Ninguém [nenhum país] precisou de reestruturar a dívida até a crise ter chegado. O plano que eu defendo não propõe nenhum perdão ou não pagamento da dívida. Propõe antes uma reestruturação na qual todo o pagamento da dívida é honrado, mas durante um longo período de tempo. E o pagamento dessa dívida é garantido pelas receitas que cada país ganha através da quota nos lucros do BCE. E o BCE “cria” dinheiro novo respeitando estritamente o seu mandato de garantir a estabilidade dos preços.

No plano que propõe, caso este venha a ser aceite, qual é a percentagem da dívida que seria alvo de uma reestruturação? Por exemplo, no caso de Portugal que actualmente tem um rácio de 130%
No meu plano eu proponho uma reestruturação de metade da dívida dos governos da zona euro, aplicando a cada país uma quota igual à quota que tem no capital do BCE. Para o caso específico de Portugal, o cenário pós- reestruturação, implicaria ficar com uma dívida de 55,6% do PIB.

Já que o PADRE implica que o BCE não irá receber juros pelas obrigações perpétuas que vai emitir, como é que cada país vai devolver o dinheiro ao Banco Central?
Eu já tenho uma nova versão do PADRE, que é o MADRE [Mutual Agreement for Public Debt Restructuring in the Eurozone], e que difere do primeiro ao retirar qualquer responsabilidade do BCE. Os governos simplesmente pedem ao BCE que envie os lucros que recebem do banco no processo de emissão de moeda (de acordo com a quota que cada um tem no BCE) para uma agência a criar que, essa sim, iria absorver 50% da dívida já existente, até que a tal agência seja totalmente reembolsada pelos empréstimos que fez. Isto pode demorar um século…

É justo que se esteja a passar o custo de pagar a dívida actual para as gerações futuras?
Isso é exactamente aquilo que o plano actual (implícito) faz de qualquer maneira. Pagar a dívida usando os excedentes orçamentais significa taxar (através de impostos) as pessoas a um nível muito acima daquilo que é preciso para financiar os gastos públicos. Existem duas formas de evitar transferir dívida para as gerações futuras: inflação e default [incumprimento do pagamento da dívida]. O BCE não vai – e não deve – criar inflação. E um default iria ter um efeito devastador nos bancos. Portanto, não, não é justo, mas não existe uma outra alternativa que seja credível.

O PADRE não viola os tratados europeus que impedem o BCE de dar ajudar e financiar directamente os estados-membros?  
Não, com o meu plano alternativo, o MADRE, o BCE não irá financiar nada. Os tratados exigem que o BCE transfira para os seus accionistas [os países do euro] o lucro que consegue obter. O meu plano implica apenas que esse lucro seja usado inteiramente para repagar a dívida. Tecnicamente, o MADRE envolve uma securitização dos lucros do BCE, sem que nenhuma política monetária seja afectada. A ideia é que esses lucros do BCE representam um activo ou um colateral bastante seguro. O BCE continuaria a ser completamente independente, tal como é exigido pelos Tratados, e poderá continuar a executar a sua política normalmente como achar melhor. A única diferença neste processo é quem recebe esses lucros, à medida que forem sendo gerados.

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