“O euro não está em condições de lidar com choques externos negativos”

Pedro Braz Teixeira, autor do livro “O Fim do Euro em Portugal”, defende que, apesar dos recentes sinais positivos nos mercados, não foi ainda encontrada nenhuma solução estrutural para a moeda única.

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Pedro Braz Teixeira Rui Gaudêncio

Num momento em que as taxas de juro da dívida descem e mesmo a Grécia diz querer voltar aos mercados, o economista Pedro Braz Teixeira continua muito pessimista em relação ao futuro do euro. A razão: não existe vontade política na Europa para fazer aquilo que é preciso para resolver os problemas estruturais da moeda única. Na segunda versão do livro “O Fim do Euro em Portugal”, que lança esta segunda-feira, mantém a perspectiva de que uma ruptura no euro é o cenário mais provável. “Começamos a listar aquilo que é preciso fazer e apenas ficamos com coisas politicamente impossíveis”, afirma.

Quando escreveu a primeira versão do seu livro, Mario Draghi tinha acabado de declarar que o BCE estava disponível para fazer tudo o que fosse preciso para salvar o euro. Isso não mudou a sua perspectiva em relação ao futuro da moeda única?
É verdade que esse discurso mudou a percepção dos mercados sobre a crise do euro, só que aquilo que Mario Draghi fez foi uma promessa. Uma promessa que ainda não foi submetida ao teste da realidade. O euro continua a beneficiar dessa promessa e as taxas de juro da dívida soberana recentemente têm retirado vantagens dos riscos de deflação e da hipótese de serem adoptadas pelo BCE medidas não convencionais, mas tudo isto não constitui nenhuma solução estrutural para o euro.

Portanto, ainda mantém o cenário de ruptura do euro, em que um país como a Grécia seria o gatilho para o desencadear da crise? A Grécia neste momento até está a preparar uma emissão de dívida de longo prazo…
Sempre disse que a Grécia é um dos gatilhos possíveis, não o único. A Itália é bem capaz de ser um caso muito mais problemático porque a Grécia pode ser salva, mas a Itália não pode, é impossível. Continuo a achar que o euro tem problemas estruturais muito graves e que não há vontade política para os resolver. Um dos sinais mais recentes disso é a união bancária. Foi criada com o objectivo de cortar a ligação entre as crises bancárias e as crises soberanas, mas a forma como foi implementada não produz esse efeito. Este é mais um indicador de que não há condições políticas para resolver os problemas estruturais do euro.

Os mercados parecem acreditar menos nisso agora do que o faziam antes…
As taxas de juro mais baixas apontam para uma menor probabilidade de ruptura do euro. Os mercados acreditam que, em última instância, os políticos vão acabar por resolver o problema. Mas quando houver um caso, mesmo que pequeno, em que percebem que tal não acontece, toda essa esperança de que vai haver uma solução desaparece. E assim entra-se muito rapidamente numa auto concretização de expectativas e de fuga de capitais.

Os mercados não deviam acreditar na promessa de Draghi?
Não é só a promessa de Draghi. É a promessa dos políticos de que farão tudo o que for necessário. Eles não vão conseguir cumprir essa promessa. A união bancária é um falhanço e o que se vê, por exemplo, da parte alemã, é que o eleitorado está muito cansado de estar há mais de 20 anos a pagar a reunificação e agora de financiar os países da periferia. Nas eleições europeias, onde é que se está a verificar a presença mais forte da extrema direita? Não é nos países auxiliados, é nos países que estão a pagar a ajuda. Isto é um sinal de que existe uma reduzidíssima apetência política por parte dos países que estão a pagar as ajudas para pagar mais ajudas. E pode-se chegar a uma altura em que eles dizem que já não querem mais.

De onde vê a ruptura a surgir?
Ou um país do Sul não cumpre aquilo que é pedido para receber a ajuda ou um país do Norte diz que não quer continuar a ajudar. Por exemplo, a Finlândia. É o único país escandinavo que está no euro e só tem sofrido por isso. Podem perfeitamente chegar um dia à conclusão de que não querem continuar assim. Pode rebentar das mais variadas maneiras. Em Chipre, esteve-se mesmo à beira de se assistir a uma saída do euro. E esse caso revela uma impreparação total da classe política europeia. É que não têm de facto uma solução pensada. Vão apenas gerindo a situação. Em Chipre, primeiro sugeriu-se que se penalizasse todos os depósitos bancários, criando um risco para todos os depositantes dos países periféricos.

Não será possível ir resolvendo os problemas estruturais do euro aos poucos, agora que os mercados parecem estar dispostos a dar algum tempo?
Não podemos ter o problema do euro resolvido sem que se dê passos como um orçamento federal, algo que não se está a ver a acontecer. E se houver mais uma crise internacional a zona euro será apanhada mais uma vez numa situação de grande fragilidade. O euro não está em condições de lidar com qualquer choque externo negativo.

Os mecanismos de estabilidade financeira entretanto criados não servem para isso?
Não, são uma forma de emprestar dinheiro, mas não resolvem a incapacidade dos países para gerirem choques adversos, nomeadamente pelo facto de não possuírem uma política cambial. E o problema é que a alternativa de gerir esses problemas através de um orçamento federal está completamente fora da mesa de negociações.

O que seria preciso fazer mais?
Uma união bancária a sério e, possivelmente, alterar os estatutos do BCE, porque tem uma meta de inflação que não é explícita e não é simétrica. Está sempre mais preocupado  com a inflação que vai acima da meta do que com a inflação que fica abaixo. Com o ajustamento que os países do Sul têm de fazer, um objectivo de inflação de 2% torna a tarefa muito complicada. O BCE precisaria de uma meta mais elevada, pelo menos para permitir estes ajustamentos. Mas esta é mais uma coisa que a Alemanha não irá nunca aceitar. Esta é que é a questão: nós começamos a listar aquilo que é preciso fazer e apenas ficamos com coisas politicamente impossíveis. Ou não estão em cima da mesa ou são feitas de forma muito parcial. Estas eleições europeias vão ter o maior contingente de deputados anti-euro. A integração europeia atingiu um limite que não consegue ultrapassar. Quando se diz que a solução para o euro é a federalização da Europa… O euro constituiu um excesso de integração, corrigir um excesso de integração com mais integração é uma contradição.
 
Então acabar com o euro é a solução?
Dito isto, poder-se ia pensar que sim, mas não é. Acabar com o euro coloca-nos neste momento enormes problemas. Problemas logísticos, económicos e também políticos. Se sairmos de forma controlada, é o mesmo que sairmos de 100 para 80. Se sairmos de forma descontrolada, é sair de 100 para 50. Como é que se pode fazer os políticos avançar para uma solução em que dizem às pessoas que escolheram baixar para 80 por ser uma forma de evitar os 50. Como o eleitorado nunca vai conhecer o 50, só vai conhecer a perda de 100 para 80, como é que se consegue convencer o eleitorado a aceitar isto? Infelizmente, um fim controlado e mais suave do euro é praticamente impossível de se concretizar.

O que é que Portugal tem a fazer?
Portugal tem de manter o comportamento de bom aluno. Jamais pode ser a causa do fim do euro. Esta ideia da reestruturação da dívida portuguesa, a ser concretizada, poderia ser um pontapé de saída para o fim do euro. E ficávamos com o ónus de sermos os maus da fita. E isso teria custos elevados, nós temos de negociar as condições de saída. Se formos nós a provocar a situação, ninguém nos vai conceder nada. Em contrapartida, se fizermos tudo o que está acertado e o euro acabar por razões estruturais que não têm nada a ver connosco, somos capazes de ter concessões.

E é preferível ficarmos a cumprir regras do euro que, como disse, são disfuncionais?
Há regras que são disfuncionais. Mas a regra de um país que tem uma dívida de 120% do PIB ter de reduzir o défice não é disfuncional. 

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