“O caminho da liberdade”

Tal como Alice na floresta, só o mocho sábio Portas nos pode ensinar o “caminho da liberdade”!

O Governo tem tentado competir com o Benfica nos media, servindo-se desse grande clube: a corajosa jornada de Turim serviu para afastar para horários impossíveis a Quadratura do Círculo e Manuela Ferreira Leite, dois dos programas que o Governo mais detesta e teme.

Sob o ágil comando de Portas, em imaginosa escolha dos sound bites, tem teatralizado o seu desempenho e transformado num pretenso filme de suspense aquilo que não passa de um mero documentário de factos previsíveis. Desde há meses, ou pelo menos desde a última semana, quando o Financial Times anunciou que Portugal teria uma "saída limpa", que toda a gente espera esse desfecho e não outro. Desde há mais de um ano que Seguro vinha a declarar que nunca poderia ser outro. Pois bem, para Portas a saída da troika é equiparada ao “caminho da liberdade”. Só quem tem da história uma visão astrológica pode afirmar contra si próprio e contra o seu país que Portugal estava em regime de protectorado. Há hipérboles que matam pelo ridículo. Quanto ao relógio electrónico, espera-se que não desista dele. Dará, pelo menos, para animar as crónicas.

Mas não é de Portas que interessa falar, ele tornou-se apenas a “voz” que anima as hostes da coligação, como nos comícios existe sempre uma voz homérica que introduz os oradores. É de Maria Luís e do seu programa orçamental para 2015 que devemos falar. Ontem, uma submissa seguidora de Gaspar e logo inimiga figadal do “irrevogável”, hoje uma companheira de caminho que não poupa noites para que Portas possa sossegar os portugueses e permitir a estes noites tranquilas. O programa implicou o descarte dos especialistas em Segurança Social congregados para conferir credibilidade a uma reforma que, para o ser, leva tempo a desenhar, tempo a discutir e ainda mais tempo a aplicar. O Governo carecia de algo “quick and dirty”, resultados imediatos, mesmo sacrificando a perfeição doutrinal. De momento, não interessa a sustentabilidade a longo prazo da Segurança Social. Mas a palavra sustentabilidade é preciosa para ser usada no título dos novos impostos sobre pensionistas. Mais contribuições e menor progressividade são aplicadas a um universo cada vez mais largo de contribuintes. Alvejar grupos de privilégio irrita os de maior vocalidade que não largarão as televisões perorando, agastados, contra o Governo. O melhor é repartir o mal por muitos e poucochinho para não doer muito a cada um. Mesmo sabendo que a macroeconomia não é o mero somatório das microeconomias. Aumentar o IVA em 0,25 pontos coloca-nos logo após a Dinamarca, Hungria e Roménia. Aumentar a parte do trabalhador, na TSU, de 11 para 11,2 apenas terá o risco imediato de um pequeno repúdio fiscal. Nos dois casos, o melhor é mentir e mentir tão descaradamente quanto seja possível. A mentira repetida não se tem transformado em verdade, mas tem funcionado como vacina contra a mentira futura: tão habituados estamos à mentira do Governo que mais uma pouco conta. O primeiro-ministro havia declarado ainda há quinze dias que não haveria mais aumentos de impostos? Pouco importa! Para responder às críticas, mente-se segunda vez: não se trata de impostos, mas de contribuições consignadas à sustentabilidade da Segurança Social. Ora todos sabemos que o famoso IVA social do doutor Cavaco acabou confundido no saco das receitas.

Mas falta dinheiro. Sobretudo, se se quiser retirar capital de queixa aos que se erguem contra a CES, aos das pensões ditas "milionárias" que falam contra o Governo na televisão, aos funcionários que perderam poder de compra, aos que têm as suas progressões congeladas há cinco anos. Falta dinheiro para baixar o défice para os improváveis 2,5% em 2015. Só a conversão da CES custa a diferença entre o que dela se recebe hoje (660 milhões) e o que se espera da nova CS (372 milhões). Da nova tabela única remuneratória que ninguém sabe bem o que é esperam-se poupanças-maravilha. Da redução do desemprego para baixo dos 15% espera-se menos despesa em subsídios. Do crescimento económico, um outro navio-fantasma ainda envolto em brumas, esperam-se milagres, sob a forma de centenas de milhões. Para já, para já, sempre podemos espremer em 200 milhões os úberes já esburgados da indústria farmacêutica!

A troika bem avisa: a economia tem de crescer! Mas como, se o que a troika nos recomenda é baixar ainda mais os salários, reduzir os impostos e contribuições para a Segurança Social? E nós, ao contrário do que eles recomendam, subimos impostos e, à aproximação das eleições, até prometemos terminar a austeridade em cinco anos! Vá-se lá saber como sair da embrulhada. Tal como Alice na floresta, só o mocho sábio Portas nos pode ensinar o “caminho da liberdade”!

Deputado do PS ao Parlamento Europeu
 

   

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