Nível de vida regrediu em 2013 para níveis de 1990, indica estudo

Portugueses gastam o dobro do que gstavam quando o país aderiu à CEE, em 1986.

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Consumo de bens alimentares manteve-se próximo do pico de 2010 Daniel Rocha

Após uma tímida aproximação aos parceiros europeus, o nível de vida dos portugueses recuou, em 2013, para valores de 1990, ficando 25% abaixo da média europeia, revela o estudo "Três Décadas de Portugal Europeu: Balanço e perspetivas", encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O documento, coordenado pelo economista Augusto Mateus, vai ser apresentado nesta quarta-feira.

Segundo o relatório, Portugal “passou de uma rota de convergência, concentrada nos anos seguintes à adesão à Comunidade Económica Europeia e na segunda metade da década de 90 e mais intensa em termos de consumo das famílias, para um processo de visível divergência".

No panorama europeu actual, Portugal é incluído num patamar composto por países com um nível de vida 20 a 30% abaixo do padrão europeu, incluindo a Eslovénia, República Checa, Eslováquia, Lituânia, Grécia e Estónia. O estudo indica que, desde 1999, Portugal apenas se aproximou da média europeia em 2005 e 2009.

Entre 2010 e 2013, o PIB per capita português caiu 7% face ao padrão europeu e o nível de vida das famílias regrediu mais de 20 anos, reflectindo a crise económica, a aceleração do processo de globalização, o alargamento da União Europeia a Leste e a aplicação do programa de resgate.

O estudo indica também que os portugueses gastam actualmente o dobro do dinheiro que gastavam quando Portugal aderiu à CEE, em 1986.

"Sem o resvalar da crise de 2003, o consumo per capita escalou ininterruptamente do mínimo de 1986 ao máximo de 2008", nota o documento. Portugal passou de uma conjuntura "marcada por pressões inflacionistas", com os preços a subirem 13% em 1986, para uma situação marcada pelas pressões deflacionistas, com os preços a subirem em média 0,5% entre 2008 e 2013.

Ainda assim "o nível geral de preços em Portugal é 14% inferior ao padrão médio europeu", destaca o estudo, apontando o elevado nível geral de preços que se verifica nos países nórdicos, com a Dinamarca, que está 40% acima da média europeia.

A educação foi o sector onde mais se sentiu a subida de preços entre 1986 e 2013, mas é igualmente a actividade em que o nível de preços está mais distante do padrão europeu, distância que se vem acentuando desde 1999.

Pelo contrário, as comunicações, que registaram a menor subida de preços, são a única classe de serviços em que o preço está acima do padrão europeu.

O estudo salienta ainda que os preços dos restaurantes e hotéis, que se encontravam, em 2013, 25% abaixo do padrão europeu.
Em 2013, o consumo de bens alimentares manteve-se próximo do pico de 2010, mas o consumo de bens correntes e serviços recuou dez anos, enquanto o consumo de bens duradouros não chegava a dois terços do volume de 2007/2008.

"Os ajustamentos em baixa no emprego, nas componentes do ganho para além do salário base e nas pensões de reforma, e em alta nos impostos, geraram uma nova relação de incerteza com o rendimento que mudou o consumidor português em anos recentes", lê-se no documento.

Os portugueses, acrescenta o estudo, estão agora mais predispostos a "fazer em casa", alugar, partilhar, reutilizar ou trocar, mais atentos às promoções e valorizam mais os produtos nacionais, ou seja, estão mais atentos "à eficácia das compras do que ao nível da despesa".

Estimulado pelo consumo privado, que absorveu sete em cada dez euros de riqueza criada, o PIB português cresceu 76% desde 1986. Com um modelo de crescimento assente no consumo privado e bastante dependente do financiamento bancário e das importações de bens e serviços, Portugal, que foi entre 1986 e 1994 o país da União Europeia que mais cresceu pela procura interna, tornou-se o quarto país com um contributo mais negativo no que diz respeito a este indicador entre 2007 e 2013.

Mais precários
Três décadas depois da adesão de Portugal à CEE, o número de trabalhadores dependentes aumentou, mas a ligação à entidade patronal tornou-se mais precária e, em 2013, um em cada cinco assalariados eram contratados a prazo.

"O desenvolvimento do mercado de trabalho tem sido marcado pela crescente relevância do trabalho assalariado, cujo peso no total de emprego aumentou, entre 1986 e 2013, de 69% para 78%", indica o estudo coordenado por Augusto Mateus.

Em 2013 mais de 700 mil trabalhadores estavam contratados a prazo, ou seja 21% do total dos assalariados, traduzindo-se num crescimento de 50% face a 1986 e tornando Portugal no terceiro Estado-membro onde os contratos a termo têm maior peso, apenas atrás de Espanha e Polónia.

O relatório adianta que a evolução da legislação laboral tem agravado "o diferencial de protecção entre contratos a prazo e contratos permanentes", sublinhando que "os esforços no sentido de reduzir a rigidez das relações laborais têm incidido sobretudo sobre os contratos a prazo, mantendo-se um elevado nível de protecção entre contratados sem termo".

Na comparação com outros Estados-membros tornam-se mais evidentes as distorções da legislação laboral portuguesa: os custos financeiros e processuais para despedir um trabalhador com vínculo permanente são dos mais elevados, enquanto o custo associado ao despedimento colectivo é dos mais baixos da Europa.

A evolução no mundo laboral caracterizou-se também por uma significativa redução do horário de trabalho.

Em 2013, cada português empregado trabalhava, em média, 39 horas por semana, menos cinco que em 1986, mas nos últimos anos a tendência é de aumento das horas trabalhadas, "induzido pela degradação do mercado de trabalho e pelas alterações legislativas ao nível do sector público".

Entre os parceiros europeus, Portugal destaca-se igualmente pela reduzida disparidade de horário laboral entre géneros. Em 2013, os homens trabalhavam em média mais três horas do que as mulheres, menos de metade do diferencial europeu e em contraste com a situação verificada na Holanda, Reino ou Alemanha, em que a diferença é superior a nove horas.

Segundo o estudo, "um dos principais factores que explica esta discrepância é a incidência do trabalho a tempo parcial, mais acentuada entre o sexo feminino e sobretudo nos Estados-membros com nível de vida mais elevado".

O ritmo de crescimento da população empregada foi particularmente intenso até 2002, tendo sido criados 850 mil postos de trabalho. "A estagnação verificada ao longo da década de 2000 e a destruição líquida de 600 mil empregos entre 2008 e 2013 reverteram na totalidade a criação de emprego registada entre 1995 e 2002", acrescenta o documento.

Entre 2008 e 2012, as verbas destinadas a subsídios de desemprego aumentaram 70%, com o número de beneficiários a passar de 450 mil para 650 mil indivíduos, mas outras prestações sociais, como o Rendimento Social de Inserção avançaram em caminho oposto.

As prestações sociais por habitante em Portugal correspondem a 65% da média europeia, abaixo dos valores registados na Grécia ou em Espanha.

 

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