Ministra revela existência de sete acções judiciais contra as autoridades

Maria Luís Albuquerque foi ouvida nesta quarta-feira na comissão parlamentar de inquérito ao colapso do BES/GES.

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Maria Luís Albuquerque Enric Vives-Rubio

A ministra de Estado e das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que está nesta quarta-feira a prestar esclarecimentos no quadro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao colapso do BES e do GES, revelou que existem nos tribunais várias acções judiciais interpostas contra as autoridades nacionais e europeias.

O Estado português é visado em dois processos, tantos quanto a Direcção-Geral da Concorrência europeia. Já o Banco de Portugal (BdP), cujo governador Carlos Costa esteve nesta terça-feira em São Bento na mesma CPI, enfrenta neste momento três acções judiciais. Em causa estão investidores/obrigacionistas e clientes que se consideram lesados pela solução que foi encontrada para resgatar o BES.

Maria Luís Albuquerque garantiu ao deputado do PCP, Miguel Tiago, que confiava nos dados que o Banco de Portugal lhe comunicava sobre a situação do sistema financeiro, o que levou o deputado a perguntar à ministra por que razão não solicitou mais informação ao supervisor sobre o quadro de degradação que se verificava no segundo maior banco privado português. E que nos contactos com Ricardo Salgado, este apenas comunicou a existência de problemas de liquidez no GES e não no BES.

Miguel Tiago inquiriu: “Disse que o Governo não vai intervir num grupo privado, mas também não vai fazer nada para salvaguardar a economia dos impactos que isto pode ter?” E recebeu a resposta: "Não faz parte do leque de instrumentos que o Governo tem ao seu dispor apoiar empresas não financeiras”. E adiantou (agora em resposta ao deputado do PSD Abreu Amorim) que "o Governo também não interfere em decisões da CGD [Salgado pediu um financiamento da CGD ao GES]".

“Não, não equacionámos nacionalizar empresas", referiu a ministra detalhando que nunca pensou fazê-lo nem em empresas financeiras "nem não-financeiras, e continuamos a não equacionar"

Antes, tinha evocado que “Vítor Bento não solicitou uma recapitalização” com recurso a verbas públicas mas "perguntou quais seriam as possibilidades em aberto". “O BdP poderia ter pedido uma recapitalização pública que se chamaria forçada porque não decorreria do pedido dos accionistas."

Em resposta à deputada do BE Mariana Mortágua, a ministra assegurou ainda que Carlos Costa, na qualidade de governador, tinha autonomia total para decidir sobre matéria relacionada com a resolução do BES. E adiantou que foi informada de que esta seria a solução para resgatar o BES por Carlos Costa, que lhe comunicou que o BCE iria retirar o apoio ao BES e que pediu ao banco europeu dois dias para poder avançar com a resolução.

A ministra adiantou que “não podia prever que o BCE, a 1 de Agosto, iria retirar ao BES o estatuto de contraparte" do eurosistema. A decisão atirava o BES para a falência, caso não houvesse intervenção.  

"Antes arrependida por dizer que não"
"Antes arrependida por dizer que não, do que arrependida por dizer que sim", rematou a ministra, sobre o facto de ter recusado ajudar o GES, o que teria tido grande impacto nos contribuintes.

Maria Luís Albuquerque diz que a partir de Setembro de 2013, quando começaram a surgir notícias à volta do GES e da sua degradação financeira (e divergências accionistas), "os meus contactos com o BdP intensificaram-se".

Evoca que Carlos Costa lhe assegurou que a situação estava controlada e que iam proceder à separação da área financeira da não financeira. E que ao longo do processo nunca teve “razões para duvidar das garantias” que lhe iam sendo dadas, para logo rematar que desde Setembro de 2013 tem estado a acompanhar o dossier: "Eu estive sempre em contacto com os bombeiros [BdP], não peguei no balde para apagar o fogo [o colapso do BES]".

Maria Luis Albuquerque insiste que foi o BdP que tomou a decisão de resolução do BES e que sabia que havia verbas disponíveis na linha de recapitalização. O que levou o deputado socialista José Magalhães a referir que "um cofre tem que ter duas chaves" e que o BdP, ao propor resgatar o BES com o Fundo de Resolução, teve de ter luz verde da ministra das Finanças para poder usar os 3900 milhões de euros públicos que foram injectados no Novo Banco. A ministra contrapôs "que genuinamente não foi combinado" e sublinhou que Carlos Costa sabia que havia verbas livres.

Mariana Mortágua questionou depois a ministra sobre o teor da carta enviada pelo BdP a alguns clientes do BES que compraram dívida do GES (de entidades insolventes) aos balcões do banco, e onde se assume que o Novo Banco criou uma provisão para proteger os investimentos. O que o BdP recusa agora fazer, por entender que devem ser os emitentes os responsáveis por reembolsar os clientes e não o Novo Banco (o objectivo é não degradar as contas da entidade que está à venda).

"O BdP pode ter criado expectativas. É algo que teremos de avaliar. Acho lamentável se as pessoas forem induzidas em erro", disse a ministra, avançando que o BdP vai realizar uma "auditoria externa àquela que foi a sua actuação ao longo deste processo". Só depois admite retirar conclusões para que a tutela, as Finanças, possa apurar responsabilidades.  

Responsabilidades por apurar
Depois de um breve intervalo, a CPI iniciou os trabalhos com perguntas de Cecília Meireles, do CDS-PP. A deputada centrista pediu à ministra das Finanças que comentasse uma declaração do presidente do PS, que, depois de ter sido mais taxativo sobre as responsabilidades do Estado na matéria, garantiu que se fosse eleito primeiro-ministro obrigaria o Novo Banco a pagar aos "lesados do papel comercial". 

"O recuo gera-me um pouco menos de preocupação", observou a ministra, alegando "que mesmo a afirmação de que o Estado deve obrigar” o Novo Banco a reembolsar os investimentos em papel comercial lhe merece "uma enorme cautela”.

E deixou um aviso: "Qualquer decisão que seja tomada" sobre os reembolsos de papel comercial do GES "deve ser tomada com o total respeito pela legalidade", isto para "evitar acabar a indemnizar" Ricardo Salgado e o banco de investimento norte-americano Goldman Sachs.

E recuperou uma ideia já aqui defendida: "Mesmo que o BCE tivesse dado mais tempo" ao BES para avaliar outras alternativas, o "resultado seria o mesmo", pois, nas "circunstâncias em que tudo aconteceu, a melhor solução foi a resolução". Defende até que a resolução foi uma medida preferível "à recapitalização pública". E concluiu que, para um problema da natureza do BES/GES, "não há soluções maravilhosas e há custos para a economia”.

Numa segunda ronda, com tempo de perguntas mais curto, o deputado do PCP Miguel Tiago "chamou" à CPI o ex-secretário de Estado adjunto de Passos Coelho, com o pelouro de acompanhar a troika, para perguntar se Carlos Moedas informou a ministra de que havia um risco para o sistema. "Não. O engenheiro Carlos Moedas nunca me referiu esta situação."

A responsável pela pasta das Finanças reafirmou "que, genuinamente, nunca imaginou o que ia acontecer" ao BES, até porque toda a informação que o BdP lhe dava "não a levava a antecipar em Maio ou no início de Junho" de 2014 que "o resultado seria aquele". E entende que o colapso do BES/GES foi "o resultado de uma desobediência" de Ricardo Salgado às recomendações do BdP que visavam interromper a ligação do GES ao BES.

Interrogada depois por Mariana Mortágua, a ministra considerou que "devem ser apuradas todas as responsabilidades: da gestão do BES, dos accionistas, dos auditores. E as eventuais responsabilidades dos supervisores". "O apuramento de responsabilidades" constitui "um saudável exercício democrático", disse.

O deputado do PSD Duarte Marques perguntou: "Sra. Ministra, há apenas um culpado?". "Aos senhores deputados caberá" tirar conclusões. Apesar de tudo, a ministra considera que "houve erros de gestão, houve falhas de governance, na auditoria". E, "se calhar, a supervisão devia ter visto mais cedo" o que se estava a passar no BES. A ministra concluiu: "Para o processo ter chegado onde chegou, terão havido falhas." Mas "também houve falhas da ligação entre supervisores", nomeadamente, uma melhor "articulação entre os vários" supervisores (BdP e CMVM).

O social-democrata quis saber se a ministra garantia que, depois do BPN, BPP e BES, não haveria novas surpresas, e recebeu uma resposta taxativa: "Não, sr. deputado. Não há nenhuma lei que possa impedir que sejam realizados crimes. E sublinhou que as regras de governance do BES eram as correctas, e muito elogiadas, mas "não foram foi cumpridas". "No papel, os modelos" de governação "são irrepreensíveis", mas na prática não são, e isto deve ser objecto de reflexão por parte, nomeadamente, do Parlamento. "O que descobrimos ultimamente não nos deixa muito tranquilos nessa matéria. Os acontecimentos recentes são avassaladores."

Foi deste modo que Fernando Negrão deu por concluída a segunda audição da ministra das Finanças nesta comissão de inquérito, que se prolongou por cerca de quatro horas.

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