Fazer em seis o que não se fez em doze

Portugal chegou a acenar com a possibilidade de veto caso a sua proposta não passasse.

O Conselho Europeu conseguiu resolver o seu grande ponto da agenda, que era chegar a um acordo da União Europeia para levar à conferência das Nações Unidas do próximo ano. Mas mais do que o consenso sobre as metas de 40% de redução dos gases com efeito de estufa, 27% de aumento do peso das renováveis no consumo da energia final e 27% de aumento da eficiência energética, a novidade deste encontro esteve na quarta medida aprovada: as linhas eléctricas que atravessam as fronteiras de cada par de países europeus devem, em 2030, ter capacidade para deixar passar 15% da respectiva capacidade instalada, com média intermédia de 10% em 2020.

A medida, que não integrava o pacote de origem das medidas do clima e da energia quando a UE começou a negociar este dossier, foi atirada oficialmente para a discussão pelo Governo português, no final do ano passado, sem suscitar grande interesse dos seus pares. Há vários meses que o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, investe na ideia de que a Europa precisa de aumentar a capacidade de interligação entre as redes eléctricas dos Estados-membros – o que equivale a passarmos das estradas nacionais, o que temos hoje, para as auto-estradas.

Na véspera da cimeira, Portugal acenava com a possibilidade de veto caso a sua proposta não passasse, o que muitos não levaram a sério, já que nos últimos meses também tinha cedido na sua meta inicial de 25% para 15%. Por outro lado, a oposição do protectorado nuclear francês, o desinteresse de uma boa parte dos seus pares e o apoio hesitante da Espanha não eram bom augúrio. Na cimeira, foi Passos Coelho quem insistiu e levou ao resultado final, a avaliar pelas palavras de Van Rompuy e do Financial Times. Apesar da cedência prévia, Portugal assegurou que as interligações ficassem claramente consagradas nas conclusões da cimeira e amarradas ao cumprimento do plano dos grandes investimentos energéticos que interessam a toda a UE, com a supervisão da Comissão Europeia. Uma solução inédita que levou Durão Barroso a dizer que “nunca viu” nada assim.

A UE acostumou-se a não levar o assunto a sério, apesar de avisos como os da crise da Ucrânia mostrarem as fragilidades da sua segurança energética. Na cimeira de Barcelona, há 12 anos, prometeu 10% de interligações. Hoje, na Península Ibérica rondam 1,5% por causa do bloqueio francês, o que significa que a Europa vai ter de fazer em seis anos o que não quis fazer em 12.

A UE assume pela primeira vez que a falta de interligações é um problema europeu e a França aceita pela primeira vez que as linhas em falta são para fazer. Da nova Comissão Europeia que tomará conta do processo, os cidadãos europeus precisam que mostre quanto antes que desta vez é diferente, porque riscos não faltam. É que para a energia circular livremente em grande quantidade pelo espaço europeu, é mesmo preciso que os vários mercados nacionais e regionais se aproximem nos mecanismos de preços, de governação, entre outros. Serão anos de batalhas para desarmar modelos proteccionistas, compensar consumidores e mostrar seriamente se as futuras interligações vão encarecer a factura da luz ou evitar custos maiores.

As interligações continuarão a ser um tema de difícil percepção para os cidadãos, mas deixaram de ser de segunda ordem na política europeia e essa é uma vitória que a dupla governamental vai tratar de pôr a render. Dentro e fora.

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