Depois da troika, pressão para a continuação das reformas virá do mercado

O único erro que é admitido pela Comissão Europeia no programa português refere-se à subestimação da recessão económica.

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Portugal sai do programa com um dos níveis mais elevados de dívida pública da zona euro Dominique Faget/AFP

Portugal não corre grande risco de relaxar os esforços de disciplina orçamental e reformas da economia depois do fim do programa de ajuda externa, porque permanecerá sob a pressão dos mercados financeiros, que penalizarão o país com subidas das taxas de juro em caso de derrapagem.

Mesmo se reconhece que a saída oficial da troika de credores internacionais (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) no próximo dia 17 comporta riscos de relaxamento dos esforços destes últimos três anos, sobretudo na perspectiva das eleições legislativas de 2015, uma fonte europeia mostrou-se convicta de que o país sabe os riscos que corre.

Há três incentivos para a continuação das reformas, afirmou a fonte, que se exprimiu sob a condição de anonimato.

O primeiro é que as reformas da economia já efectuadas começam a dar frutos, o que constitui um incentivo positivo. Os outros dois incentivos são a memória que as pessoas têm do que aconteceu quando não se fizeram reformas e as taxas de juro, também para os consumidores, subiram muito, e o facto de os mercados financeiros reagirem relativamente depressa a eventuais erros de política económica, penalizando o país com um aumento dos juros. “Há incentivos suficientes positivos e negativos para fazer o que é correcto”, afirmou a fonte.

Com a saída da troika do país, prosseguiu, Portugal “recupera um certo grau de soberania, (...) mas para assumir as políticas certas”.

As políticas a aplicar poderão ser as escolhidas pelo Governo, como a reposição já anunciada de parte dos cortes dos salários da função pública, desde que os objectivos quantitativos fixados para o défice orçamental – 4% do PIB este ano e 2,5% no próximo – sejam cumpridos. “Deixamos Portugal confiantes de que estes valores serão cumpridos, não por estamos lá, mas porque é necessário para manter a dinâmica das reformas”, afirmou.

Para a Comissão Europeia, o “elevado” número de reformas da economia feitas em Portugal foi um dos mais altos de toda a zona euro, sendo algumas “muito ambiciosas”. Apesar disso, “falta ainda fazer muito”, nomeadamente em termos de tradução das reformas já decididas em “mudanças reais na economia” e em áreas como “o mercado de trabalho, a energia, os transportes e a administração pública”.

Bruxelas rejeita que tenha assumido, no programa de ajustamento económico e financeiro que constituiu a contrapartida da ajuda externa, um objectivo de transformar a economia portuguesa numa economia de baixos salários. O que a troika procurou fazer, disse a fonte já citada, foi “flexibilizar os salários para os adaptar à realidade económica”.

O único erro que é admitido pela Comissão Europeia no programa português refere-se à subestimação da recessão económica, que foi muito mais grave do que o previsto. Esta discrepância não teve a ver com as políticas de austeridade do programa – mas com desenvolvimentos externos, refere Bruxelas, citando, em concreto, o facto de a zona euro ter ela própria tido uma desaceleração muito acentuada da actividade económica. Isto aconteceu pelo facto de todos os países terem adoptado políticas de austeridade ao mesmo tempo, mesmo os países com folga orçamental. Depois de reconhecido o erro, “ajustámos as previsões e ajustámos a trajectória” da redução do défice, afirmou.

Bruxelas reconhece igualmente que Portugal sai do programa com um dos níveis mais elevados de dívida pública de toda a zona euro. Mas garante que a dívida portuguesa é sustentável porque a sua trajectória evolui em baixa em todas as projecções sobre diferentes choques a partir do pico de 130% do PIB que é esperado este ano.

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