Da bazuca do BCE à Katiuska

Mario Draghi já recorreu a todas as armas possíveis, mas sem apoios à retaguarda o sucesso é limitado.

Falar de “recurso à bazuca” por parte do presidente do BCE, Mario Draghi, é recorrer a uma imagem bélica que não expressa o que aconteceu esta quinta-feira em Frankfurt. As armas portáteis ficaram no armário, e Draghi fez disparar uma Katiuska, munida de 60 mil milhões de euros de munições por mês, pelo menos até Setembro do ano que vem. Esta arma de artilharia, que fez o terror dos soldados alemães na II Guerra Mundial ao disparar múltiplos projécteis, reflecte bem o estado da economia europeia, à beira de nova recessão, com risco de deflação.

Além das compras de dívida, pública e privada, Draghi anunciou outra medida que corre o risco de passar despercebida face ao evento histórico de ver o banco central da moeda única a avançar com a aquisição de títulos do tesouro dos Estados-membros: a eliminação dos spreads nas operações de empréstimos de longo prazo vocacionados para novos créditos ao sector privado (TLTRO, na sigla em inglês). As duas primeiras operações TLTRO ficaram aquém das expectativas, e, agora, o BCE garante um acesso ainda mais barato.

Tanto o próximo TLTRO como a injecção de liquidez na economia vão começar já em Março. A partir daqui, espera o BCE, haverá mais dinheiro a circular entre os bancos e as empresas e consumidores, aumentando consumo e o investimento. Com isso, a inflação fica mais perto dos 2%, e haverá crescimento económico. O pior é passar da teoria à prática. Draghi mencionou parte do problema quando referiu que os países têm de fazer a sua parte para recuperar a economia, e, dentro da sua margem orçamental, avançar com as suas próprias políticas de estímulo. A mensagem tem como principais destinatários países como a Alemanha, que continua em registo de forte contenção.

A armadilha actual parece ser a da excessiva prudência, em que, depois do choque iniciado em 2008, famílias e empresas se mostram reticentes em pedir dinheiro emprestado, ao mesmo tempo que os bancos ainda estão a equilibrar os seus níveis de endividamento. Sem apoios na retaguarda, o BCE corre o risco de ficar isolado no campo de batalha e, um dia, verificar que já não tem armas nem munições para continuar a defender o euro. Esta quinta-feira foi histórica para a Europa, mas só os próximos meses dirão se foi eficaz.

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