Centeno defende contas de 2017 e diz que as previsões da receita são conservadoras

Ministro das Finanças defende método diferente que tem influência no cálculo do défice estrutural, onde Bruxelas viu desvio.

Foto
Mário Centeno sustenta que o OE prevê um esforço de consolidação orçamental "significativo" Miguel Manso

A Comissão Europeia já recebeu a carta enviada pelo ministro das Finanças em resposta ao pedido de esclarecimentos sobre o Orçamento do Estado para 2017. Na missiva, o Governo reafirma o compromisso com “as metas recomendadas”, garante que o nível das receitas previstas é conservador e defende um método diferente de calcular o produto potencial, o que tem influência no valor do défice estrutural e explica parte do desvio referido pelo executivo comunitário.

Mário Centeno apresenta os argumentos que estão implícitos na forma como calcula em 0,6 pontos percentuais do PIB a redução do défice estrutural (diferente do défice nominal), quando Bruxelas diz que o esforço do Governo se fica por uma diminuição do saldo estrutural em 0,1 pontos.

Na carta, publicada no site da Comissão Europeia, não há uma referência directa à redução dos 0,6 pontos percentuais, que são o objectivo do Governo e a meta recomendada pelo Conselho Europeu. O que o ministro faz, mantendo as suas metas sem falar em medidas adicionais, é explicar as especificidades técnicas que levam o executivo a ter em conta na base do cálculo do produto potencial e, por conseguinte, no valor do défice estrutural.

O défice estrutural, ao contrário do défice nominal, não leva em linha de conta as medidas extraordinárias adoptadas por um Governo, nem o impacto que a conjuntura económica tem nas contas públicas. Em causa está a discussão sobre o produto potencial, que já tinha acontecido quando foi negociado o Orçamento do Estado para 2016.

O ministro das Finanças explica que, desde a apresentação do Programa de Estabilidade – onde era referida a meta de redução do défice estrutural – “nenhum evento contribuiu para uma revisão em baixa do nosso produto potencial”. E acrescenta que uma “estimativa técnica de uma variável latente usando um algoritmo estatístico que ignora a natureza das políticas e dos eventos [económicos] que surjam leva a uma estimativa enviesada para baixo no produto potencial português”.

Explicar receitas

Centeno reafirma o compromisso com “as metas recomendadas” de sair do procedimento do défice excessivo este ano e garante que em 2017 vai continuar a “assegurar uma consolidação de forma socialmente inclusiva e amiga do crescimento”. Em relação às receitas fiscais, sobre as quais foi questionado por Bruxelas, Mário Centeno defende que as previsões são “extremamente conservadoras” porque vão crescer 2,9% no próximo ano, “abaixo do crescimento do PIB nominal”.

A carta chegou a Bruxelas ao final da noite de quinta-feira, dentro do prazo previsto. A bola está agora do lado da Comissão Europeia, que deverá pronunciar-se publicamente sobre a resposta do Governo de António Costa, depois de o comissário europeu Pierre Moscovici ter dito há dois dias que o orçamento português “parece cumprir as regras”. Como o PÚBLICO noticiou, tanto em Bruxelas como dentro do executivo considera-se que é reduzida a probabilidade de Portugal ter de se comprometer com novas medidas de consolidação orçamental para evitar ver o OE chumbado.

Mário Centeno sustenta que o OE prevê “um esforço de consolidação significativo e cumprindo inteiramente as metas e objectivos” do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Em relação às receitas, o Governo dá alguns detalhes sobre o que espera do programa de regularização de dívidas (o PERES) e ainda sobre uma medida que vai permitir arrecadar mais recenta em sede de IRC este ano e nos próximos dois, a reavaliação faculativa de activos por parte das empresas. Em 2016 e 2017, o Governo conta que esta medida permita arrecadar 125 milhões de euros em cada ano, previsão que já vem do orçamento que está em execução.

Quanto ao perdão de dívidas, que podem ser regularizadas na íntegra até ao final deste ano ou em prestações ao longo de 12,5 anos, o executivo também diz que as previsões de receita (100 milhões por ano) são conservadoras, recordando que o perdão de 2013 permitiu nesse ano uma receita de 1230 milhões.

À espera do parecer 

Mário Centeno dizia ainda esta semana que as dúvidas levantadas pela Comissão Europeia resultam apenas de questões metodológicas (em relação ao que se considera para contabilizar o défice estrutural), tendo dito no Parlamento na última terça-feira que as dúvidas colocadas eram “menores e naturais”.

O processo de negociação que Bruxelas e Lisboa têm em curso está também a acontecer entre a Comissão Europeia e outros países da zona euro. Cada Estado-membro tem de enviar em Outubro um esboço do seu plano de orçamento para o ano seguinte e, depois desse passo, e ainda antes de dar o seu parecer final, a Comissão pode pedir mais informações.

Foi o que fez em relação a Portugal e mais quatro países: Itália, Bélgica, Chipre e Finlândia. A Espanha e Lituânia, que não apresentaram os planos orçamentais, foi pedido que o façam o mais rapidamente possível depois de estarem em funções os seus novos governos.

No caso português, Bruxelas encontrou um “risco de desvio significativo da melhoria recomendada de pelo menos 0,6 pontos do PIB” no saldo estrutural. O Conselho Europeu recomendou a Portugal uma redução desta dimensão, Portugal defende que as medidas de consolidação apresentadas representam este esforço de diminuição do défice, mas a Comissão entende que a redução apresentada não chega àquele valor.

No entanto, ainda na quarta-feira Pierre Moscovici, comissário com a pasta dos assuntos económicos e financeiros, tranquilizava que “o esboço do orçamento recebido parece estar dentro dos critérios exigidos pelas regras” europeias. “Precisamos de saber de forma mais precisa que medidas são planeadas por Portugal para atingir os objectivos estruturais”, disse na altura, a partir de Bruxelas, sublinhando que o assunto foi debatido com Mário Centeno nas últimas semanas “em diversas ocasiões”. Com S.J.A.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários