Governo deve escapar a exigência imediata de novas medidas

Executivo parte para a negociação com Bruxelas com um desvio face às projecções de Bruxelas que o coloca próximo de evitar chumbo do plano orçamental.

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Pierre Moscovici e Mário Centeno têm estado em contacto nas últimas semanas AFP/FRANCISCO LEONG

A probabilidade de Portugal ter de se comprometer antecipadamente com novas medidas de consolidação para escapar ao chumbo dos seus planos orçamentais em Bruxelas, tal como aconteceu no início deste ano com o OE 2016, é considerada desta vez como bastante baixa, tanto em Bruxelas como dentro do Governo. Agora, apurou o PÚBLICO, a dúvida em relação ao OE 2017 parece ser apenas sobre se a Comissão irá classificar a proposta portuguesa como “globalmente conforme” ou “em risco de incumprimento” das regras europeias, dois cenários em que a consequência é apenas o convite de Bruxelas às autoridades portuguesas para que venham a tomar decisões que garantam o cumprimento das metas.

O desfecho do processo de avaliação pela Comissão Europeia da proposta de Orçamento do Estado português apenas deverá acontecer em Novembro, mas teve início esta terça-feira com o envio pelos comissários de uma carta ao Governo em que se identificava a existência de um desvio de cerca de 0,5 pontos percentuais do PIB entre a estimativa de variação do saldo estrutural feita pelos técnicos de Bruxelas (ligeiramente acima de zero) e a melhoria de 0,6 pontos percentuais exigida pelas regras e projectada pelo Governo no OE.

Por causa desse desvio (equivalente a cerca de 900 milhões de euros), a Comissão pediu ao Governo português para enviar novas informações e esclarecimentos. E é isso que Mário Centeno e a sua equipa terão de fazer até ao final desta quinta-feira.

Em causa está, por um lado, a explicação em maior detalhe de medidas que a Comissão optou por não considerar nos seus cálculos por considerar que não estavam suficientemente especificadas. Por outro lado, há medidas que Bruxelas duvida poderem ser vistas como tendo um carácter estrutural. Um dos casos mais evidentes é a classificação pelo Governo do programa extraordinário de regularização de dívidas fiscais como medida permanente.

Para além das medidas, outro dos motivos para a diferença de avaliação entre Lisboa e Bruxelas é o facto de a Comissão assumir um cenário macroeconómico menos optimista do que o Governo, o que altera o ponto de partida para o cálculo do esforço orçamental necessário.

Depois de o Governo enviar as suas respostas escritas à Comissão, deverá iniciar-se um período de discussão entre as duas partes. No entanto, não se espera que um cenário semelhante ao ocorrido no início de 2016, quando foi discutido o OE 2016, venha a acontecer.

Nessa altura, o desvio entre as estimativas feitas pelos dois lados era muito superior, o que levou a Comissão Europeia a ameaçar classificar o OE português como estando em “sério risco de incumprimento”. Algo que seria inédito na UE e resultaria na obrigação de Portugal apresentar uma nova versão do orçamento.

Esse cenário foi evitado nas últimas horas das negociações depois de o Governo apresentar novas medidas no valor de 970 milhões de euros, garantindo que o desvio entre as suas estimativas para o saldo estrutural e as da Comissão se reduzia para apenas 0,4 pontos do PIB. A classificação atribuída a Portugal acabaria por ser de “risco de incumprimento”.

Agora, a diferença entre as duas partes já está praticamente a esse nível (é de 0,5 pontos), pelo que se torna muito provável que, apenas com alguns acertos negociais, Portugal garanta, ou a classificação de “risco de incumprimento” ou, num cenário mais favorável, de “globalmente conforme”.

As declarações públicas de Pierre Moscovici esta quarta-feira são um sinal evidente de que em Bruxelas não se está à espera de um confronto difícil com o Governo português. Numa conferência de imprensa realizada em Bruxelas em que foi questionado sobre as cartas enviadas a seis países sobre os planos orçamentais para 2017, o comissário europeu afirmou que em relação a Portugal, “o esboço do orçamento recebido parece estar dentro dos critérios exigidos pelas regras”.

Moscovici fez questão ainda de distinguir os seis países a quem a Comissão pediu mais informações. Se no caso de Espanha e Lituânia aquilo que foi pedido foi que os governos que venham agora a ser formados enviem projectos de orçamento actualizados, para a Itália, Chipre e Finlândia, o problema é mais complexo. Aí, o problema é a existência de “um diferencial entre o ajustamento [do défice estrutural] que foi recomendado pelo conselho e as cifras que surgem nos planos orçamentais enviados pelos países”.

Bélgica e Portugal fogem a esse cenário mais difícil. Nesse caso, o comissário diz que os orçamentos “parecem coerentes com as regras, afirmando apenas esperar “informações precisas para confirmar esse sentimento”.

Em Portugal, as declarações públicas têm sido também de grande confiança. Mário Centeno diz que as dúvidas de Bruxelas se tratam apenas de questões metodológicas, enquanto o Presidente da República diz acreditar que “a Comissão Europeia se sente confortável com a meta que está prevista para o próximo ano.

Depois da avaliação da Comissão, chegará a vez dos outros governos da zona euro se pronunciarem. Aí, outros actores ganham destaque, como o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, que esta quarta-feira afirmou que "Portugal estava a ser muito bem sucedido até entrar um novo governo, depois das eleições”. Normalmente, a recomendação que sai da Comissão é aceite, mas é possível, tal como aconteceu com o OE 2016, que o Governo português seja levado a comprometer-se com a garantia de que tomará novas medidas para corrigir as contas, caso tal se revele necessário.

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