Bandeira, uma espécie de Porto

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O proteccionismo espanhol tentou substituir o vinho do Porto NELSON GARRIDO / PUBLICO

Em 1991, nas autovias espanholas, auto-estradas sem portagem, um anúncio rectangular de enormes dimensões disputava a atenção dos condutores ao célebre touro negro do brandy Osborne. Em fundo de cor grená era divulgada a última essência das bebidas: Oporto Bandeira.

Oporto é Porto, e o proposto era um Port wine made in Spain. Os produtores do legítimo, reunidos na Confraria do Vinho do Porto, accionaram os protestos. O ICEP de Madrid, então dirigido por Pedro Feytor Pinto, pressionou as autoridades governamentais e as Comunidades Autónomas – Castela-e-Leão e Extremadura – em cujas vias rápidas os cartazes estavam implantados.

Mais espectacular foi uma operação diplomática: a concessão do grau de Confrade do Vinho do Porto ao então Príncipe Felipe das Astúrias, como forma de ganhar espaço mediático. A entronização teve dois palcos, entre os quais o Palácio da Zarzuela, onde foi entregue o documento.

Esta pressão resultou, mas 25 anos depois basta consultar os sítios online espanhóis de venda de bebidas para constatar que é anunciado um Oporto Bandeira de uma forma engenhosa – vinho elaborado ao estilo do Porto e também chamado de Oporto espanhol – a um preço suspeito: 4,95 euros mais IVA. É o preço que separa as águas entre o legítimo e esta espécie, feita ao estilo…

“As autoridades espanholas sempre foram muito proteccionistas”, resume Feytor Pinto a sua experiência em Espanha entre 1989 e 1998. Os exemplos sucedem-se. Em 1992, os camiões cisterna da Agros eram retidos na fronteira de Fuentes de Oñoro, alegando os espanhóis que as condições organolépticas não eram boas. As pressões e o resultado das análises acabaram por vencer a barreira.

A cutelaria portuguesa era amaldiçoada pelos espanhóis, que queriam preservar o seu sector nacional ancorado nas manufacturas da província de Albacete. Para tanto, alegaram os atentos serviços de Espanha que a distância entre os dentes dos garfos não era, por milímetros, regulamentar. Então, de Portugal, os estereótipos admitidos pelo mercado espanhol eram os atoalhados. “Vais a Portugal, não te esqueças de comprar toalhas”, aconselhava numa revista no Teatro La Latina de Madrid, a actriz Lina Morgan.

Houve situações complexas. Como a venda de vinho de Valência e Albacete em garrafões de cinco litros para Angola como se tivesse origem vinícola em Portugal. Durante as décadas de autocracia económica em Espanha, desenvolveu-se uma indústria de substituição de importações sem respeito pelas patentes. Foi assim que o motor Perkins foi “nacionalizado” e montado nos camiões Barreiros, uma marca já desaparecida, que ajudou à motorização de Cuba.

Só a partir de 1993 o proteccionismo começou a ser erradicado na razão directa do aumento das exportações espanholas para o mercado português. O que exigia contrapartidas. A presença de El Corte Inglês em Portugal ajudou a uma maior visibilidade dos produtos portugueses, assim expressamente apresentados.

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