A vertiginosa ascensão e queda do "homem mais odiado da América"

Martin Shkreli lançou vários fundos de investimento e duas empresas farmacêuticas. É acusado de fraude financeira pelas autoridades. E de muito mais na Internet.

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Martin Shkreli foi detido pelo FBI por fraudes financeiras Andrew Burton/Getty Images/AFP

Correu pela Internet uma onda de júbilo quando Martin Shkreli foi detido pelo FBI por fraudes financeiras. Não é novidade que a Internet é pródiga em ódios colectivos. Um exemplo é Bernard Maddoff, condenado a 150 anos de prisão por esquemas piramidais, o mesmo tipo de crime de que Shkreli é acusado (a dimensão da mentira de Maddoff é, porém, muito maior). Outro caso recente é o do dentista americano que caçou um leão no Zimbabué. Mas Shkreli, um empreendedor e gestor de fundos, com 32 anos e multimilionário, atingiu uma nova fasquia, graças a uma mistura explosiva: ostentação de riqueza, petulância em doses abundantes, e um modelo de negócio que implica comprar os direitos de medicamentos que estão há muito no mercado e subir drasticamente os preços.

Shkreli chegou à ribalta em Setembro, quando uma das suas empresas, a farmacêutica Turing comprou os direitos para distribuir um medicamento para tratar doenças infecciosas, entre as quais toxoplasmose em grávidas e doentes com HIV, e aumentou o preço do comprimido de cerca de 13,5 dólares (12,3 euros) para 750, cerca de 683 euros (uma prática legal). O caso deu origem a uma torrente de críticas, entre as quais as dos candidatos presidenciais Donald Trump e Hillary Clinton. O que se seguiu só agravou a reputação de Shkreli.

Face aos protestos, Shkreli começou por dizer que baixaria o preço. No entanto, acabou por mudar de ideias e não fazer qualquer redução. Não só isso, como afirmou, numa conferência, que deveria ter aumentado ainda mais o preço. “Os meus investidores esperam que eu maximize os lucros”, justificou.

Não restam dúvidas sobre a má fama de Shkreli quando uma pesquisa no Google por “the most hated man in America” (“o homem mais odiado da América”) tem como resultado fotografias de Shkreli e vários artigos sobre as suas actividades. O epíteto, usado por várias publicações, foi provavelmente escrito pela primeira vez num artigo da BBC.

A investigação do FBI a Martin Shkreli e às suas empresas não está relacionada com este caso. O empresário é acusado de ter escondido as perdas de um fundo de investimento que criara e de ter pago aos investidores com dinheiro de uma empresa farmacêutica chamada Retrophine, que o próprio fundou em 2011, colocou em bolsa e da qual foi expulso no ano passado pelo conselho de administração. Este ano, a empresa processou-o e pede uma indemnização de 65 milhões de dólares.

Essencialmente, Shkreli vendia acções da Retrohpin e com os proveitos pagava aos investidores de fundos que tinha lançado antes. A acusação das autoridades americanas indica que terá forjado contratos de consultoria e empréstimos, através dos quais fazia o desvio do dinheiro. Foi detido a 17 de Dezembro e libertado sob uma caução de cinco milhões de dólares.

Martin Shkreli é um americano de origem albanesa, cujos pais emigraram para os EUA e trabalharam como porteiros de prédios, segundo a narrativa que o próprio contou a mais do que um jornalista. Estudou numa escola secundária para jovens sobredotados, mas desistiu. Aos 17 anos, conseguiu um estágio num fundo de investimento, onde deu nas vistas por ter previsto a queda da cotação de algumas empresas de biotecnologia.

Com 20 e poucos anos, convenceu um investidor a pôr-lhe alguns milhões na mão para criar um fundo de investimento. Faliu em 2007. Voltou à carga, com um novo fundo, de maiores dimensões. A estratégia passava por fazer short selling de acções de algumas empresas na área da farmacêutica e biotecnologia. É um tipo de operação que consiste em vender acções que ainda não se têm, esperando comprá-las a um preço mais reduzido. Mas Shkreli recorria a estratagemas pouco éticos: usava sites especializados para dizer mal das empresas cuja cotação queria que caísse e chegou a apelar às autoridades americanas para não aprovarem medicamentos dessas companhias.

As práticas negociais de Shkreli já vinham a ser notadas, pelo menos, desde 2012. Mas o que lhe valeu mais ódio foram as mensagens no Twitter e algumas demonstrações de riqueza exuberante. Recentemente descobriu-se que tinha sido o comprador (por dois milhões de dólares) da única cópia de um novo álbum do icónico grupo de rap Wu-Tang Clan. Irritou os fãs ao dizer que não partilharia a música. Depois, divertiu-se no Twitter a lançar hipóteses sobre quais seriam os próximos a quem pagaria por música feita exclusivamente para ele.

A visão que Shkreli tem de si próprio é substancialmente diferente do retrato das redes sociais. Chegou a afirmar que aquilo que publica no Twitter é apenas uma experiência social de desafio ao politicamente correcto. Em relação ao aumento de preço dos medicamentos, também já deu uma justificação mais elaborada do que a simples maximização de lucro: o preço é necessário para que a Turing (de que entretanto se demitiu) possa cobrir os custos de desenvolver novos fármacos.

Depois de ser libertado, Shkreli mostrou-se (mais uma vez no Twitter) seguro do desfecho da batalha judicial. “Estou confiante de que vou vencer. As alegações contra mim não têm fundamento nem mérito”. Se for considerado culpado, arrisca 20 anos de prisão.

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