A Grécia encontrou na Alemanha os grandes obstáculos ao acordo desejado

Diferença clara de opiniões com o Governo alemão e novo revés no financiamento vindo de Frankfurt dificultam a concretização da estratégia do Governo liderado por Alexis Tsipras.

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Schäuble e Varoufakis Reuters
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Manifestação anti-austeridade em Atenas Reuters

As horas que o ministro das Finanças grego passou na Alemanha tornaram claro, para quem ainda tinha dúvidas, que a possibilidade de um acordo simples e rápido entre a Grécia e os seus parceiros europeus é muito reduzida. Em particular, ficou ainda mais difícil de imaginar a obtenção de um entendimento em que nenhuma das partes perca a face.

Na quarta-feira à noite, o Banco Central Europeu (BCE) reforçou a pressão sobre Atenas ao decidir que deixaria de aceitar como garantia os títulos de dívida pública gregos. Na quinta de manhã, o encontro entre Yanis Varoufakis e o seu homólogo alemão comprovou que os dois governos nem sequer conseguem chegar a acordo sobre aquilo em que não concordam. A resposta da Grécia aos obstáculos que encontrou na Alemanha foi uma “recusa da chantagem”, tanto no discurso do primeiro ministro Alexis Tsipras, como nas manifestações na rua que esta noite juntaram entre cinco e sete mil pessoas.

O obstáculo mais imediato às intenções de Atenas veio de Frankfurt, sede do BCE, e surgiu apenas algumas horas após a visita de Varoufakis a Mario Draghi. Apesar de o programa que a Grécia assinou com a troika apenas ter o seu final marcado para o último dia de Fevereiro, o BCE concluiu que já não há razões para acreditar que o Governo grego irá cumprir as exigências nele contidas e, por isso, retirou aos bancos do país a possibilidade de apresentarem dívida pública grega como garantia no recurso ao financiamento do Banco Central Europeu.

É verdade que vão poder ainda recorrer à Assistência de Liquidez de Emergência – ELA, do banco central grego, num valor total que pode chegar aos 60 mil milhões de euros. E que, apesar de suportarem taxas de juro mais elevadas (1,55% contra 0,05%), têm nestes estes empréstimos (previstos para situações de carácter excepcional e temporário) uma fonte de financiamento que poderá fazer face a uma fuga de depósitos considerável.

Mas, não só para os bancos mas para o próprio Estado grego, esta decisão do BCE foi um duro golpe nas aspirações de assegurarem, sem sobressaltos, o financiamento de que precisam nos próximos meses. Do lado dos bancos, o nível de dependência do financiamento normal do BCE era, no final de Dezembro, de 56 mil milhões de euros. Deste valor, 12 mil milhões eram assegurados usando dívida pública grega como garantia (algo que vai deixar de poder acontecer) e 25 mil milhões usando obrigações com garantia estatal, que o BCE também já decidiu que deixarão de poder ser usadas a partir de 1 de Março.

Se juntarmos a isto o facto de, a cada depósito que é retirado dos bancos gregos (e desde o início de Dezembro já fugiram 15 mil milhões) as necessidades de financiamento aumentarem, percebe-se que as instituições financeiras gregas vão ficar altamente dependentes dos empréstimos de emergência do seu banco central, que o BCE tem o poder de aprovar ou chumbar de acordo com a sua avaliação da “solvência” dos bancos e da possibilidade de “interferência com os objectivos e atribuições do Eurosistema”.

Do lado do Estado grego também são criados problemas ao seu financiamento imediato. O simples facto de deixarem de poder ser usados como garantia junto do BCE faz com que os títulos de dívida pública grega percam grande parte da sua atractividade para os investidores. Em particular, os bancos gregos ficam com todo o interesse em desembaraçar-se deles e sem vantagens em os comprar. Isto é particularmente preocupante para o Estado grego, uma vez que já anunciou que pretende realizar uma emissão de dívida de curto prazo de grande dimensão, para garantir o financiamento do país enquanto negoceia com os parceiros europeus, e estaria certamente a contar com os bancos gregos para assegurar a colocação da dívida no mercado.

Foi por isso que as taxas de juro da dívida grega voltaram esta quinta-feira a subir nos mercados. E que nas bolsas o valor das acções dos bancos tivesse caído a pique. De manhã, na primeira reacção ao anúncio do BCE, o banco Piraeus chegou a perder 27% do seu valor face à sessão de quarta-feira, terminando o dia como a cotada que mais se desvalorizou na praça ateniense, ao perder 14,97%. A segunda maior queda foi protagonizada pelo banco Attica, a descer 12,99%, seguindo-se o Banco Nacional da Grécia, com um recuo de 12,31%, e o Eurobank Ergasias, a desvalorizar 9,7%.

Ainda a digerir estas notícias, Yanis Varoufakis encontrou-se com o ministro alemão das Finanças em Berlim. Na conferência de imprensa, Wolfgang Schäuble começou por resumir a reunião dizendo: "Concordámos em discordar". Varoufakis nem com isso quis concordar, insistindo que o objectivo continua a ser chegar a um acordo.

As diferenças entre as duas partes são muitas, contudo. Schäuble atacou as medidas planeadas pelo Governo grego. “Sou céptico sobre algumas das medidas anunciadas pela Grécia. Vão na direcção que não queremos”, disse, defendendo que “quando as promessas são feitas à custa de outros não são realistas”.

Varoufakis respondeu falando dos perigos de uma continuação da crise económica grega. “Se se humilha uma nação orgulhosa durante tempo de mais, submetendo-a aos problemas de uma crise de deflação, sem luz ao fundo do túnel, então as coisas podem começar a ferver. Entre todos os países da Europa, os alemães são quem melhor compreende esta informação simples”, disse.

Mais respostas aos obstáculos encontrados na Alemanha foram dadas em Atenas. Num discurso feito no parlamento, o primeiro-ministro grego Tsipras disse que a Grécia tem propostas que pôs em cima da mesa e que espera reacções. “Estamos à espera das propostas alemãs, ainda não as ouvimos. (…) Esperamos que os nossos parceiros europeus respeitem a democracia tal como nós respeitamos as regras da União Europeia”, disse, tentando fazer um balanço positivo dos encontros que os responsáveis do executivo tiveram nos últimos dias na Europa: "Apenas numa semana conseguimos aliados que nunca tinhamos conseguido nos últimos cinco anos de crise", declarou.

Nas ruas, uma manifestação acentuou o tom da resposta, com as palavras-chave: “Não à chantagem – solidariedade – dignidade”. Ao final da tarde desta quinta-feira juntavam-se entre cinco e sete mil pessoas em frente ao parlamento em Atenas. Houve pessoas a sair para a rua também em Salónica, Patras e Heraklion (Creta). Havia quem comentasse a raridade de gregos saírem para a rua a favor de um executivo. com Maria João Guimarães e Pedro Crisóstomo

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