A dívida, o euro e a banca – um debate inadiável

Ninguém pode ignorar que o sector bancário privado não serviu o país, as famílias, as empresas, os produtores, a economia. Pelo contrário, prejudicou-os, serviu-se deles para engrossar lucros.

A União Europeia e a União Económica e Monetária confirmam-se como causas centrais da actual crise. As medidas paliativas de “expansão quantitativa” anunciadas pelo BCE não alteram esta realidade. Confirmam-na.

No plano nacional, três grandes constrangimentos pesam hoje sobre o país, contribuindo para a degradação da situação nacional, entravando a recuperação económica e social e eliminando num prazo mais alargado as hipóteses de um desenvolvimento duradouro e equilibrado. São eles: os níveis brutais da dívida pública e da dívida externa, a integração monetária no euro e a dominação financeira da banca privada.

A renegociação da dívida, a libertação do país da submissão ao euro, com a readopção de uma moeda própria, e o controlo público da banca são, por isso, três instrumentos fundamentais para a recuperação e o progresso do país, que devem ser aplicados no seu tempo próprio, mas pensados e preparados em conjunto. Tudo devidamente articulado e integrado num projecto mais geral de concretização de uma alternativa política e de construção de uma democracia avançada nas várias vertentes da vida nacional.

O carácter integrado desta proposta tripartida impõe-se pela óbvia inter-relação entre os três constrangimentos e, bem assim, entre os instrumentos para lhes pôr fim.

A dívida pública e a dívida externa portuguesas são das maiores do mundo (em percentagem do PIB) e excederam há muito qualquer limiar de sustentabilidade. É imperioso travar a sangria de recursos do país, reduzindo substancialmente os juros pagos (60 mil milhões de euros só até 2020, segundo estimativas da Comissão Europeia – mais do dobro daquilo que o país receberá de fundos comunitários no mesmo período) e garantindo uma redução também substancial dos montantes da dívida directa do Estado. Salvaguardando os pequenos aforradores, a Segurança Social, o sector público administrativo e empresarial do Estado e os sectores cooperativo e mutualista.

Quanto à recuperação de uma moeda própria (opção que, pesem embora os papões não inocentemente agitados por alguns, não implica a saída da União Europeia), há vantagens evidentes: dispor de uma gestão monetária, financeira e orçamental autónoma, ajustada à situação e necessidades do país; deixar de depender exclusivamente dos mercados para o financiamento do Estado; libertar o país da prisão do Pacto de Estabilidade, retomando os níveis de investimento indispensáveis ao seu desenvolvimento; abandonar a austeridade e o empobrecimento permanentes; e limitar as perdas de competitividade pela valorização excessiva do euro.

É hoje uma evidência que Portugal perdeu muito com o euro. Produzimos hoje menos riqueza do que quando se introduziu fisicamente o euro. A dívida disparou, o desemprego e a precariedade idem, os salários encolheram.

Mas aqui chegados, Portugal pode perder ainda mais. Seja com a permanência no euro, seja com uma saída forçada – imposta pelas grandes potências europeias, uma vez esgotado o seu interesse ou a sua capacidade de manter dentro do barco uma economia cronicamente endividada e deprimida, incapaz de assegurar o financiamento da actividade do Estado ou do sistema bancário. Por esta razão, o estudo e a preparação do país para este cenário será um acto de elementar responsabilidade.

É importante que fique claro que a saída do euro é necessária para libertar o país da subalternidade, da dependência e do atraso. Mas deve ter condições: a preparação do país; a articulação com outras facetas de uma política soberana de desenvolvimento – como a renegociação da dívida e a recuperação do controlo público do sector financeiro; o respeito pela vontade popular e a condução do processo por um governo empenhado em defender os rendimentos, as poupanças, os níveis de vida e os direitos da generalidade da população, e em evitar a fuga de capitais e a perda de divisas, a desorganização do comércio externo e da vida económica do país.

Por fim, ninguém pode ignorar que o sector bancário privado não serviu o país, as famílias, as empresas, os produtores, a economia. Pelo contrário, prejudicou-os, serviu-se deles para engrossar lucros.

Ora, a necessidade urgente de reconsolidar a globalidade do sistema bancário e de conter os riscos sistémicos para a economia, de assegurar uma efectiva regulação, supervisão e fiscalização da banca e, numa perspectiva mais vasta, a necessidade de travar a especulação financeira e de canalizar as poupanças e recursos financeiros para o investimento na produção nacional, de defender a soberania e impulsionar o crescimento seguro e equilibrado, reclama que a moeda, o crédito e outras actividades financeiras essenciais sejam postas sob controlo e domínio públicos, ao serviço dos interesses nacionais.

Muito resumidamente, estas são propostas que marcam uma fronteira clara: entre os que querem que fique tudo na mesma – ficando na verdade tudo cada vez pior – e a possibilidade real de mudança, a que aspiram cada vez mais portugueses, que rompa com o atraso e o empobrecimento perpétuos.

Eurodeputado do PCP

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