A Brent Delta vai para a reforma a bordo de um navio

A plataforma, que começou a produzir petróleo em 1977 no Mar do Norte, vai ser reciclada. A operação estará a cargo do maior navio do mundo.

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Desactivar a plataforma é um enorme desafio de logística DR

Se tudo correr como planeado, o maior navio do mundo, que foi baptizado em homenagem a um oficial nazi, vai levantar uma plataforma de petróleo no Mar do Norte e transportar umas 25 mil toneladas de material para um porto no Reino Unido. Praticamente tudo será reciclado e aproveitado para vários equipamentos, como máquinas de lavar roupa.

O dia em que os braços robóticos do navio vão levantar o monstro de metal da enorme base de cimento ainda não está definido. Desactivar uma plataforma de petróleo com quase 40 anos, que não foi concebida para ser retirada e desmantelada, é um processo que demora muito tempo, custa milhares de milhões de euros e implica consultas a várias partes, desde governos a ambientalistas. E a Shell, depois de controvérsias ambientais no passado, não quer erros neste processo de desactivação da plataforma Brent Delta, uma das quatro que foram instaladas na década de 1970 para explorar a reserva cujo nome deu origem a um dos mais conhecidos índices internacionais da cotação do crude.

A plataforma Brent Delta é uma das quatro naquele local, que fica sensivelmente a meio caminho entre o Reino Unido e a Noruega. Em 1971, a Royal Dutch Shell – a empresa foi registada no Reino Unido, mas tem sede na Holanda – descobriu petróleo a 186 quilómetros da costa de uma ilha escocesa, numa zona onde o mar tem cerca de 140 metros de profundidade. A primeira plataforma, a Brent Bravo, foi instalada em 1975 e começou a produzir um ano depois. Seguiu-se a Brent Delta, cuja actividade se iniciou em 1977.

A exploração de petróleo naquela região durou até 2001. Nos últimos anos, as plataformas produzem sobretudo gás natural, depois de uma alteração feita na década de 1990, que custou 1200 milhões de libras para reconverter as estruturas. Esta estratégia estendeu o tempo de vida das Brent para mais anos do que o previsto.

Não é inédito uma plataforma ter uma longevidade acima do projectado. “A Brent Delta é uma plataforma de produção, que se instala já depois de se encontrar o petróleo, o que é feito com plataformas de perfuração, que são flutuantes e conseguem navegar por si próprias, embora mais lentamente do que um navio. Tipicamente, as plataformas de produção ficam no local uns 20 ou 30 anos”, explica Aleksander Dahlem, um engenheiro de petróleo norueguês que trabalha no Mar do Norte (apenas em plataformas norueguesas – nunca esteve numa das Brent). “Mas, se descobrirem mais petróleo na área, em vez de construírem uma plataforma nova, ligam esses poços à velha. Ou, às vezes, encontram novas formas de produzir petróleo”.

Actualmente, porém, a actividade naquela zona está a deixar de ser viável para a Shell. “À medida que [as plataformas Brent] produzem, a reserva esgota-se e, ao longo do muitos anos de produção, passaram de fornecer cerca de 10% do gás natural consumido no Reino Unido para cerca de 2%. Estamos na fase em que o fluxo de petróleo e gás da Brent Delta chegou a um ponto em que já não é viável a actividade”. As plataformas Alpha, Bravo (já desactivadas) e Charlie (ainda operacional) acabarão por ter o mesmo destino.

A fase de remoção da Delta aproxima-se numa altura em que, por coincidência, o preço do barril de Brent sofreu uma queda de meio ano, que atirou o valor para menos de metade do pico de Junho, embora as últimas semanas tenham sido de alguma recuperação. A operação que a Shell vai levar a cabo, porém, começou há muito: a Delta já deixou de produzir em Dezembro de 2011.

Uma velha plataforma
Da base de betão que assenta no fundo do mar até ao cimo da torre mais alta, a Brent Delta mede 300 metros, aproximadamente o mesmo que a Torre Eiffel. As pernas de cimento têm 150 metros. Os “pés” são gigantescos contentores, cada um com a capacidade de quatro piscinas olímpicas.

A Shell ainda não decidiu o que vai fazer a esta base. Há duas hipóteses em cima da mesa: ou corta as pernas, de forma a não prejudicar a navegação, ou deixa-as como estão, mas sinalizadas com luzes. Também está por decidir se os contentores no fundo serão tapados.

Já a estrutura metálica ergue-se uns dez metros acima do mar. É aqui que estão o heliporto, os escritórios, o equipamento para produção, e as cantinas, quartos e demais instalações do pessoal. A Delta tinha capacidade para 160 pessoas, mas trabalhavam mais na plataforma, já que os funcionários se revezam: como é habitual no sector, os trabalhadores passam algumas semanas seguidas numa plataforma (“offshore”, na gíria do sector) e algumas semanas em terra.

“Normalmente, as plataformas grandes, como a Brent Delta, têm melhores condições, porque são plataformas que vão ficar lá durante muito tempo e há pessoas que vão trabalhar lá durante anos”, observa Dahlem. A qualidade de vida a bordo, diz, depende muito do país. “Na Noruega todas têm ginásio, o resto depende muito. Há salas de reuniões que são transformadas em sala de cinema. Toda a gente tem um quarto para si, embora em algumas se divida o quarto com o colega que está no turno oposto.” Os turnos são de 12 horas e cada pessoa, com a excepção do responsável máximo, é rendida por outra quando vai descansar.

O facto de a Delta ser uma plataforma antiga não a torna muito distinta das modernas, diz ainda o engenheiro. “Não há grandes diferenças, porque elas vão sendo renovadas. No interior, a diferença é a de estar num hotel dos anos 70 ou num hotel actual.”

Nome controverso
O navio holandês que vai transportar esta parte de cima da plataforma foi concebido especificamente para instalar e desinstalar estas estruturas. Tem 384 metros de comprimento, 124 de largura e capacidade para 571 pessoas. Foi construído na Coreia do Sul e é operado pela Allseas, uma empresa suíça de transporte naval. Em meados de Janeiro, chegou ao porto de Roterdão, depois de sete semanas de viagem desde o estaleiro asiático.

Como se não bastassem as dimensões gigantes para dar nas vistas, o navio tem um outro atributo que o fez aparecer na imprensa: o nome Pieter Schelte, uma homenagem a um oficial nazi, que é o pai do dono da Allseas.

Pieter Schelte Heerema, que morreu em 1981, foi um engenheiro naval que serviu como oficial na SS, a força paramilitar que Hitler criou ainda antes de chegar ao poder. Heerema chegou a cumprir uma curta pena por crimes de guerra depois da derrota dos alemães. Quando regressou à liberdade, foi para a Venezuela, onde começou a trabalhar no petróleo. Regressou à Holanda, onde fundou uma empresa de prestação de serviços no sector.

Pressionada para mudar o nome do navio, a Allseas começou por responder que se tratava de uma homenagem ao trabalho de Heerema no sector. Os protestos fizeram-se ouvir por parte de grupos judaicos, tanto na Holanda como no Reino Unido, e intensificaram-se nas últimas semanas. Também o Governo britânico apelou a uma mudança de nome e a própria Shell fez o mesmo. Depois da recusa inicial, nesta segunda-feira, a empresa naval aquiesceu. O navio passará a chamar-se Pioneering Spirit (“espírito pioneiro”). “Nunca tivemos intenção de ofender ninguém”, frisou a empresa, num comunicado.

O Pioneering Spirit tem um formato de U. Os dois cascos na frente vão passar cada um por um lado da plataforma, como se a estivessem a abraçar antes de pegar nela. Os braços mecânicos deverão levantar as 25 mil toneladas da Brent Delta em apenas dez segundos.
 

Artigo corrigido: O terceiro parágrafo referia uma profundidade do mar de 140 quilómetros. São 140 metros.

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