CEO do Barclays vem a Portugal “nos próximos dias” falar das investigações em curso no banco

Numa carta enviada aos funcionários do Barclays Portugal, Curt Hess coloca-se à disposição dos trabalhadores para ouvir o que têm a dizer.

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O CEO do Barclays para a Europa e o Médio Oriente, Curt Hess, vai deslocar-se “nos próximos dias” a Portugal, acompanhado do novo responsável interino pela operação portuguesa, Jaime Echegoyen, para falar “pessoalmente” com a equipa sobre a suspensão da comissão executiva do Barclays Portugal, decisão que visou facilitar as averiguações internas sobre alegadas más práticas de concorrência.

Para além de Peter Mottek, o responsável do Barclays Portugal, Curt Hess suspendeu ainda, por um período temporário (com pagamento de vencimentos e sem acção disciplinar), os três outros gestores da filial portuguesa: António Nunes da Silva, Ana Paula Alves e o espanhol Sérgio Muñoz.

Na quinta-feira, os trabalhadores do Barclays Portugal foram surpreendidos por uma carta enviada de Londres, via email, assinada por Curt Hess a informá-los da suspensão da administração e da sua substituição por uma equipa liderada pelo actual CEO do Barclays na Península Ibérica (a unidade portuguesa está incluída na operação espanhola e é gerida através de Madrid), Jaime Echegoyen e Arnaud Schvartz (CFO).

A mensagem, escrita em português, a que o Diário Económico faz referência na sua edição desta sexta-feira, e a que o PÚBLICO teve também acesso, começa deste modo: “Muitos estarão cientes de que a Autoridade da Concorrência (AdC) tem vindo a investigar diversos bancos em Portugal, incluindo o Barclays, por possíveis práticas anticoncorrenciais”, e, “como seria de esperar, temos colaborado e apoiado totalmente a AdC no âmbito das investigações em curso. Em casos anteriores, ocorridos em outras jurisdições, seguimos exactamente o mesmo procedimento e fazê-lo nesta situação está completamente em linha com os nossos valores.”

Curt Hess anuncia que o Barclays está “também a realizar uma avaliação interna das suas práticas”. “Como parte desse processo, alguns dos nossos colegas com posições seniores na Península Ibérica foram suspensos a partir do dia de hoje, mantendo integralmente a sua remuneração”, acrescenta. O CEO esclarece que “a suspensão não é um acto disciplinar e, portanto, não deverão ser retiradas quaisquer conclusões desta decisão. O nosso objectivo é o de minimizar perturbações para a nossa actividade, para clientes e para colegas.”

“Esta notícia [suspensão da gestão] apanha muitos de surpresa e que estarão compreensivelmente preocupados, mas gostaria de vos assegurar que esta decisão foi seriamente ponderada”, diz, na mesma carta, Curt Hess.

“Decerto compreenderão que, uma vez que a investigação continua a decorrer, estamos limitados pela AdC quanto àquilo que podemos dizer”, adianta o banqueiro. “E, caso tenham questões que ainda não tenham sido respondidas, queremos ouvi-las. Temos consciência de que, neste momento, os vossos superiores poderão não ser capazes de responder a perguntas específicas, pelo que poderão colocar as vossas questões a qualquer momento”, frisa.

“É importante, para mim, passar algum tempo convosco e ouvir-vos sobre o que estão a sentir”, pelo que, “nos próximos dias, pretendo estar em Portugal e em Espanha, acompanhado por Jaime Echegoyen e por alguns elementos da minha equipa de direcção”, diz Hess quase a terminar a sua carta aos trabalhadores do Barclays Portugal. “Esta será uma oportunidade para falar convosco pessoalmente e, mais importante, para que possam partilhar as vossas ideias e preocupações”. O CEO do Barclays para a Europa refere ainda que participa hoje “numa conferência telefónica com os membros da Senior Leadership, para que os líderes estejam plenamente informados e, uma vez mais, possam apoiar” os funcionários.

A denúncia à AdC sobre a eventual cartelização bancária, envolvendo a sua filial portuguesa, partiu de Londres, e beneficiou de um acordo de perdão concedido pela autoridade de supervisão ao abrigo do “regime de clemência”. Na prática, a iniciativa do Barclays resultou numa confirmação de culpa, que coloca a instituição britânica, envolvida em vários escândalos de irregularidades, em condições mais favoráveis e reduz os danos de reputação.

Um estudo independente encomendado pelo novo CEO do grupo inglês, Antony Jenkins (nomeado no Verão de 2012), ao advogado Anthony Salz, concluiu que o mega-escândalo de manipulação da taxa Libor (que já obrigou o Barclays a pagar uma multa de 335 milhões de euros) é fruto de “uma cultura” incutida na instituição pelo seu anterior presidente Robert Diamond (obrigado a demitir-se no Verão passado) que valoriza os lucros em detrimento dos clientes: “Existia uma ênfase excessiva nos resultados financeiros a curto prazo, reforçada por uma cultura de salários e prémios que recompensavam o gerar dinheiro acima de servir os interesses dos clientes.”

Na sua carta, Curt Hess, da equipa de Antony Jenkins, faz referência à vontade de transformar o grupo britânico Barclays num banco “Go-To”, um banco “escolhido por clientes e outros stakeholders, pelo facto de combinar os serviços de que necessitam com valores em que podem confiar.”

Na sua edição de hoje, o Financial Times faz referência ao afastamento, por Antony Jenkins, actual presidente do Barclays, de todos os antigos responsáveis do grupo ligados ao anterior CEO, Bob Diamond, e à sua estratégia de negócio.

Investigações sobre cartelização bancária prosseguem na AdC
A decisão de suspender toda a comissão executiva do Barclays Portugal foi articulada entre o Barclays Londres, a Autoridade da Concorrência e o Banco de Portugal.

A iniciativa inscreve-se no quadro de um inquérito interno que está a realizar à sua filial portuguesa, por suspeita de existência de concertação com alguns bancos a operar em Portugal, nomeadamente, em matéria de concepção e preços de produtos bancários.

Este não é o primeiro inquérito interno desencadeado por Londres à operação portuguesa, no contexto da cartelização bancária que está a ser averiguada pela AdC.

Na sequência das inspecções decretadas no último trimestre de 2012 pelo novo presidente executivo Antony Jenkins a todas as operações internacionais, na sequência dos escândalos que envolvem o grupo britânico, o Barclays Londres comunicou já neste ano à AdC ter detectado factos que podem indiciar eventuais crimes de mercado, envolvendo o Barclays Portugal e outros bancos, por articulação de spreads e de comissões.

A AdC considerou a denúncia suficientemente credível para abrir uma investigação que já resultou numa acção de buscas, em simultâneo, a mais de 15 bancos, com apreensão de informação e de material. Se a autoridade concluir que houve combinação de preços/comissões, as instituições envolvidas arriscam multas máximas que podem equivaler até 10% do seu volume de negócios. A AdC continua a analisar toda a documentação e os ficheiros recolhidos no início de Março para apurar se, por um lado, estes correspondem à matéria da queixa e se, por outro lado, os factos são ilícitos. Só aí será deduzida a acusação.

Em Portugal desde 1981, o Barclays Portugal atravessa actualmente um processo de reestruturação com despedimentos (cerca de 400) e encerramento de vários balcões. Por se tratar de uma filial do grupo estrangeiro, está sujeita à supervisão do regulador britânico, nomeadamente em matéria de idoneidade dos seus gestores. No caso de bancos não domésticos, as competências do BdP, que foi informado da suspensão dos quatro gestores, estão relacionadas com as matérias de liquidez, de branqueamento de capitais e comportamentais.

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