Uma pianista generosa?

A estreia de Valentina Lisitsa numa sala de concerto portuguesa mostrou a sua generosidade na quantidade de repertório mas também a falta de uniformidade na qualidade da interpretação.

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João Messias/Casa da Música

A estreia de Valentina Lisitsa numa sala de concerto portuguesa foi aguardada com expectativa. Por um lado, o interesse provocado pelo repertório proposto, por outro a vontade de assistir ao vivo, pela primeira vez, à performance de uma pianista que antes de pisar as principais salas de concerto já era mundialmente conhecida através da Internet.

O recital incluiu a extraordinária transcrição realizada por Ferruccio Busoni da Chaconne da Partita para violino solo BWV 1004 de J. S. Bach, os Estudos Sinfónicos Op. 13 de Robert Schumann, uma selecção de peças para piano de Johannes Brahms e ainda a Sonata nº 1 de Serguei Rachmaninoff. O repertório proposto fazia antever um concerto longo, no entanto a execução de mais de uma dúzia de peças de carácter de Brahms (o site da Casa da Música anunciava apenas os três Intermezzo das peças Op. 119) e a execução de três encores aumentou consideravelmente a duração do mesmo, aproximando-se das três horas no total!

O carácter e o sentido dramático da Chaconne foram respeitados numa execução bastante segura e reveladora das capacidades técnicas e interpretativas de Lisitsa. Destaca-se a energia colocada nas secções de maior virtuosismo e em particular a sensibilidade demonstrada na interpretação da parte lenta que antecede a conclusão da obra, de dinâmica muito suave e carácter doce.

Nos Estudos Sinfónicos Lisitsa optou por incluir as variações editadas postumamente por J. Brahms, seguindo deste modo o formato que integra o disco Etudes que irá ser lançado em Novembro. De um modo geral a pianista respeitou o sentido dramático e o carácter orquestral da obra. Apesar do vigor incutido nas variações mais enérgicas o equilíbrio dos vários planos sonoros nem sempre foi bem conseguido. Lisitsa demonstrou uma maior afinidade com a doçura e a melancolia das variações mais lentas, interpretando-as com grande sensibilidade e controlando com maior eficácia os diferentes planos sonoros.

A segunda parte do recital começou com a execução de um vasto conjunto de peças de carácter de J. Brahms. Mais uma vez Lisitsa demonstrou a sua afinidade com peças em andamento lento e de carácter melancólico, tendo sido este o estado de espírito predominante na selecção de peças apresentada. Apesar da boa interpretação a quantidade de peças executadas foi excessiva (ultrapassando largamente a dezena).

A interpretação da Sonata de Rachmaninoff foi a menos conseguida. A pianista executou algumas passagens com pouca clareza e com menor rigor, prejudicando deste modo o próprio sentido dramático da obra. A utilização excessiva do pedal direito em passagens de grande velocidade e de maior virtuosismo foi um factor que também contribuiu para uma interpretação menos conseguida.

Apesar da qualidade do recital não ter sido uniforme Lisitsa proporcionou momentos de grande expressividade e de enorme capacidade técnica que justificaram os aplausos que recebeu. A generosidade da pianista no que respeita a quantidade de repertório verificou-se também no final do concerto ao interpretar três encores dos quais se destacaram a transcrição realizada por Franz Liszt do lied Ave Maria de Franz Schubert e ainda La Campanella, o terceiro dos Grandes Estudos de Paganini também de Liszt.

A interpretação destas duas peças revelou novamente o melhor de Lisitsa. A pianista executou Ave Maria com um grande sentido lírico e La Campanella com enorme rigor e brilhantismo arrecadando uma ovação calorosa no final.

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