Os fantasmas de Laetitia

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O terceiro disco a solo da ex-Stereolab Laetitia Sadier ainda não afirma uma grande escritora de canções David Thayer

Quando os Stereolab chegaram à cena musical inglesa, a imprensa local recebeu-os num misto de alívio e alegria sincera. Estava encontrada a banda-antídoto contra o grunge. Os Stereolab vinham moderar, se não derrubar, a incompreensível hegemonia do rock americano nas páginas do Melody Maker e do New Musical Express. E não vinham sozinhos: juntavam-se-lhes Pram, Bark Psychosis, Seefeel e mais uns quantos. Simon Reynolds dedicou-lhes várias páginas, citando referências (se a memória não falha) da bossa-nova, da ambient music de Brian Eno, da música francesa, do motorik dos Neu e dos Young Marble Giants (não por acaso a banda que nos anos 70 tinha resistido à outra hegemonia, a do punk). Valha a verdade, os Stereolab nunca assinaram qualquer manifesto e durante quase 20 anos fizeram todo o tipo de alianças. Nunca abandonaram a sofisticação e nunca deixaram de ser uma banda de guitarras com um certo gosto pela aceleração e, até, pela distorção. 

Com o hiato anunciado em 2009 pelos Stereolab, Laetitia Sadier iniciou uma carreira a solo de que Something Shines é a terceira obra. Trata-se de um disco simpático, com dois grandes momentos finais, e inspirado por uma releitura de A Sociedade do Espectáculo, de Guy Debord, mas que (ainda) não afirma Laetitia Sadier como grande escritora de canções. 

Há uma indecisão que desequilibra este trabalho. Mais de metade dos temas recupera dos Stereolab a leveza da secção rítmica, a presença delicada dos teclados, a atracção pelas possibilidades que instrumentos diferentes trazem à composição. É todo um universo sonoro que se revisita e se repete, sem as harmonias vocais ou o ritmo motorik que tornava os Stereolab tão singulares. É como se um feitiço imobilizasse a música de Laetitia Sadier. Os arranjos são bonitos, as canções não se libertam (vale a pena, a propósito, escutar, como contraponto, a música de Juana Molina), com excepção de Butter side up, menos adornado, ou Echo port, que se dobra, inesperadamente, em duas peças. São estas as faixas que antecedem Oscuridad e Life is winning, canções “militantes” (com alusões à crise financeira e à guerra), mas, sobretudo, canções em que Sadier parece arribar já a outras paragens. E será (talvez) alucinação, mas ao fundo ouvem-se Nico e Brigitte Fontaine. Antes o brilho destes feitiços. 

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