O elogio da candura

Uma das velhas fantasias: em tempos (como estes) em que os políticos não oferecem grande esperança, chega um “puro”.

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Uma das velhas fantasias políticas, revivida com mais intensidade em tempos (como estes) em que a política é conturbada e os políticos no activo não oferecem grande esperança, é a chegada de um “puro”.

Há uma razoável tradição de filmes sobre isto, das fábulas caprianas dos anos 30 ao Bem-Vindo Mr Chance de Hal Ashby, que punha Peter Sellers na pele de um jardineiro meio débil mental a debitar platitudes tomadas como grandes esperanças. Viva a Liberdade!, filme italiano que é bem um produto do momento político (italiano e europeu), faz lembrar bastante o filme de Ashby. O líder do partido da oposição (Toni Servillo, habitual actor de Paolo Sorrentino), deprimido com os resultados das sondagens e com a oposição interna, desaparece pouco tempo antes das eleições, refugiando-se, não se riam, em Paris, perseguindo uma das suas paixões, o cinema. O principal estratega do partido, confrontado com a catástrofe iminente, desenrasca uma solução temporária: vai buscar o irmão gémeo do líder, um vago “filósofo” semi-louco que acaba de sair de um hospital psiquiátrico. E o inevitável acontece: desassombrado, o “gémeo” põe-se a dizer o lhe dá na real gana e o partido começa a subir nas sondagens.

A fábula – construída com alguma inteligência e óptimos acabamentos – tem uma validade bem actual. Mas o problema de Viva a Liberdade! é que, se tem muita ironia para deitar sobre a política “real”, não conserva grande distância em relação ao “elogio da candura” que propõe, confundindo o olhar do filme com ele, num populismo bem intencionado mas, no fundo, acrítico. É isso que, posto no contexto de um cinema italiano que tem (ou teve…), desde o pós-guerra, a mais feroz e sofisticada tradição de “cinema político” de toda a Europa, deixa um travo amargo em Viva a Liberdade! : é como se Pasolini ou, para um exemplo contemporâneo, Moretti, tivessem sido substituídos, eles próprios, pelo Mr Chance.

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