Marie Dior é nome de electrónica elegante

Começou no black metal em Guimarães, deixou-se envolver pelas electrónicas enquanto estudava design gráfico nas Caldas da Rainha e hoje está em Berlim, a partir de onde faz parte da surpreendente editora AVNL. Diogo Correia é Marie Dior.

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“Esqueço-me com facilidade do que fiz no mês passado e ainda mais do que vou lançar no próximo mês”, afirma, por entre risos, Diogo Correia, 25 anos, português, de Guimarães, a viver em Berlim desde o final de 2011. É isso. Diogo é muito produtivo.

Está ainda longe de ser um nome conhecido, mas pertence a uma novíssima geração de músicos e produtores que opera a partir de estúdios caseiros e que vislumbra a Internet como modelo de difusão do seu trabalho. Para mais, possui uma editora de lançamentos digitais, a AVNL, o que acaba por ser facilitador.

Diogo Correia assina preferencialmente as suas produções com a designação Marie Dior. Foi com esse nome que lançou, em Fevereiro, o álbum Good Night, manifesto de electrónica graciosa de dinamismos dançantes, e também de cambiantes ambientais. Mas esse está longe de ser a sua única assinatura. Ainda na semana passada lançou outro álbum, Endrave, desta feita assinado como Drama & Trauma, movimentando-se por electrónicas mais opressivas de ritmos sintéticos entrecortados por minimalismos lancinantes. É um disco mais negro. Não espanta. A sua produção é diversa, centrada nas electrónicas.

Na adolescência, em Guimarães, não imaginava que o seu futuro seria em torno das electrónicas. Fazia parte de uma banda de black metal. Interessava-lhe o noise. O metal era a sua senha de eleição. Até que foi estudar design gráfico para a Escola Superior de Artes e Design da Caldas da Rainha e a reviravolta operou-se. Nesse contexto, viria a conhecer Manuel Robim, também conhecido pelo pseudónimo Old Manual, e Tiago Rodrigues, ou seja RAP/RAP/RAP, e algo mudou: “Foi aí que começamos a fazer várias coisas juntos”, recorda, “em particular uma banda com o Manuel, numa linha pós-punk electrónico, os CFT&CM”, entre 2009 e 2010. Mais tarde viriam a colaborar como pombos.jpg. Em simultâneo, resolvem lançar-se na aventura editorial AVNL, que desde então tem servido de rampa de lançamento para os diferentes projectos dos três, qualquer um deles praticante de música tão estimulante quanto intrigante. Hoje Tiago está em Portugal, depois de uma passagem por Londres, onde desde há um mês se fixou Manuel. Diogo reside em Berlim há cerca de três anos.

Os três têm produzido imensos discos, com uma visibilidade por enquanto discreta, mas capaz de gerar cada vez maior interesse. Ainda há semanas a relevante publicação americana The Fader tentava cartografar alguns dos projectos musicais mais aliciantes e alternativos provenientes da Grande Lisboa, centrando a sua leitura na actividade das editoras AVNL e Golden Mist.  

“A minha vinda para Berlim teve simplesmente a ver com o facto de não querer estar em Portugal”, afirma Diogo, lembrando a crise financeira. “A partir de determinada altura não tinha opção. Tive a oportunidade de vir para Berlim e não me arrependo. Durante algum tempo fiz design gráfico e depois desse trabalho comecei a dedicar-me só à música, tendo arranjado um part-time para pagar as contas e para ter tempo livre para a produção.”

Quando chegou à capital europeia da música tecno, ainda não levava a sério o projecto Marie Dior, acabando a editora Aural Sects por se mostrar disponível para o editar. Por aquela estrutura viria a lançar três álbuns, tendo um deles, Encore, Again, Encore (2012), sido editado também em formato físico.

Berlim não constituiu uma influência em termos de som. Mas está a ser importante para perceber os meandros do negócio da música. “As redes de contactos são importantes e quando estava em Portugal não tinha essa consciência tão nítida. Aqui acabo por me sentir envolvido numa cena e também toco mais”, diz ele.  

Apesar de pertencer a uma geração que relativiza o formato álbum, a verdade é que ouvindo Good Night se sente um princípio, um meio e um fim e uma consistência inabalável ao nível dos ambientes. “Preocupo-me com a coerência, sim”, diz ele. “Estou sempre a fazer música e quando uma técnica de produção muda isso acaba por marcar o tipo de som que vem a seguir. Existe uma tentativa de enquadramento de cada música no todo.”

Por norma, tudo começa pelo título. Ou por um conceito. “Tenho uma ideia do que quero dizer e a partir daí tento traduzir isso musicalmente. No caso do Good Night, estava preso entre fazer música de dança e música ambiental e o resultado final acaba por traduzir a ponte entre essas duas realidades.” É verdade.

Há temas de maior dinamismo rítmico próximos do house ou do tecno, mas sempre com uma grande expansividade, proporcionada pela cobertura atmosférica, e existem temas texturais e etéreos com ligeiros encadeamentos rítmicos. Quase todos os temas são instrumentais, havendo, aqui e ali, pequenas amostras de vozes. Mas mais do que a ideia de canção, o que o motiva é a definição de uma ambiência, de uma atmosfera.

Desde sempre foi assim, diz. “Quando comecei a ouvir Sunn o))), por exemplo, e álbuns como Black One & Solstitium, um marco em termos da minha formação musical, foi logo a coesão sónica que me chamou a atenção e a dependência da atmosfera.”

Das cumplicidades que vai gerando com Portugal, destaca, para além obviamente dos dois parceiros de editora, a actividade da editora Golden Mist, de Gonçalo Salgado, onde aliás irá lançar proximamente um novo EP, com uma remistura de outro emigrante, Ivo Pacheco, ou seja IVVVO, sediado em Londres.

Mas não haverá apenas isso. “Vai haver também um novo tema para o Marco Rodrigues dos Photonz, que também está em Londres, para a editora dele, a One Eyed Jacks.” E mais alguma coisa? “Tenho a certeza que sim, mas agora não me recordo.”

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