Clássico e imprescindível

Exageramos mas não muito: Manipulator é o White Album de Ty Segall, o seu épico pessoal

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Todos os Ty Segall que fomos conhecendo ao longo dos últimos anos conjugam-se pela primeira vez neste disco, sem pontas soltas Denee Petracek

Trinta e um dias. 31 dias passou Ty Segall em estúdio. Pode não parecer muito quando comparado com a rotina de trabalho dos U2 ou de Jay-Z, mas na escala Ty Segall, o homem que em ano e meio, entre 2012 e 2013, editou quatro álbuns, é uma eternidade. Segall, nascido em Laguna Beach, revelado músico em São Francisco, é um dos nomes de destaque no rock’n’roll que interessa neste preciso momento, fruto de álbuns como Twins e seu ataque de guitarra fuzz, ou desse Sleepers de base acústica. Com Manipulator, e podemos afirmá-lo sem grande margem de erro, vamos vê-lo escalar mais do que um degrau no reconhecimento popular. Com este disco longo de 17 canções e uma hora de duração, Ty Segall corre o risco de se tornar “o” rosto rock’n’roll de 2014.

Isto porque o seu novo álbum, o sétimo em nome próprio desde a estreia em 2008 (tem muitos mais editados em paralelo, em bandas como os Fuzz), é um monstro multifacetado modelado no fantasista Marc Bolan e no Bowie enquanto rocker (pensamos em The Man Who Sold The World), mas em que se destacam igualmente a urgência gritada, distorcida, do passado lo-fi e a sensibilidade pop anteriormente submergida pelo fuzz das guitarras (e nem falámos dos quartetos de cordas que por aqui se ouvem). 

Exagerando, mas não exageradamente, poderíamos afirmar que Manipulator é o White Album de Ty Segall. Sendo obra de um homem só (Segall gravou todos os instrumentos, com excepção de uma canção em que é acompanhado pela sua banda de palco), não tem a abrangência do álbum dos quatro Beatles. Mas é o disco em que, pela primeira vez, todos os Ty Segall que fomos conhecendo ao longo dos últimos anos se conjugam. E é um álbum sem pontas soltas, sem excrescências identificadas. Ty Segall é, claro, muita coisa: It’s over é peça beatlesca maquilhada com os brilhantes de Marc Bolan e engrandecida por quarteto de cordas; Feelconsegue cruzar a fúria destruidora dos Stooges com a androginia de Robert Plant; Suzie thumb detona a claridade pop dos Kinks com riffalhada punk que os Undertones decerto apreciariam. 

Manipulator

 é um álbum em que até às guitarras acústicas são tocadas com urgência e ferocidade, em que os quartetos de cordas seguem a voz quando esta sobe ao falsete glam, em que os solos de guitarra abundam, mas são menos sequência clamando pelo aplauso ao guitarrista do que erupções de uma energia incontrolável, contagiante. 

Ty Segall afirmou que, quando se enfiou num estúdio durante um mês para gravar em condições que nunca tivera, tinha na cabeça um álbum “ao estilo de Tony Visconti”, o histórico produtor de Marc Bolan e David Bowie. A marca está lá, mas, quando abandonou o estúdio, Segall levava consigo outra coisa. O seu épico pessoal. O álbum em que o vemos por inteiro. Um álbum com temperamento de clássico, imprescindível neste ano de 2014 (e além dele).

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