Scarlett, a mulher que veio do espaço

Jonathan Glazer adaptou ao cinema o livro de Michael Faber, Debaixo da Pele, e Amos Gitai conseguiu que no Festival de Veneza se fale sobretudo do seu plano sequência de 81 minutos em Ana Arabia.

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Under the Skin com Scarlett Johansson
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Ana Arabia , de Amos Gitai
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Scarlett Johansson
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O realizador Jonathan Glazer, Scarlett Johansson e o produtor James Wilson em Veneza

A experiência de Jonathan Glazer em redor do corpo de Scarlett Johansson é uma afectação – que provocou aqui, para além da divisão entre apupos e palmas, sorrisos de condescendência.

Pode-se imaginar que para a actriz de Under the Skin (competição) terá sido também uma experiência, que deve haver qualquer coisa de desafiante em passar um filme a tentar ser não uma personagem, mas um “it” – e falhar completamente.

Bowie também foi uma espécie de “it girl” em O Homem que Veio do Espaço, de Nicolas Roeg (1976), e esse cineasta e essa tradição do cinema britânico (e ainda Ken Russell) foram para aqui chamados para filiar o trabalho do publicitário e do realizador de (notáveis) videoclips (Massive Attack, Radiohead…) que adaptou o romance de Michael Faber, Debaixo da Pele (ed. Difel), sobre uma alienígena que anda à caça, através dos corpos dos outros, da sua humanidade.

Glazer tornava intrigantemente atmosféricos alguns pedaços de Birth (2004), a sua anterior longa-metragem. Em Under the Skin quer estender a experiência sensorial por todo um filme – anulando, como explicou, os picos e rugosidades de “plot” do livro.

O resultado é uma espécie de videoclip clínico sem música. Até o voyeurismo pelo corpo de Scarlett (poderia ser uma forma perversa de reforçar a condição de “it girl” de quem ambiciona ser actriz) é bastante domesticada. Glazer não tem ferocidade para esse corpo. Nem a visceral excentricidade, para o bem e para o mal, de Roeg ou Russell.

Do filme de Amos Gitai, Ana Arabia (competição), fala-se sobretudo do plano sequência de 81 minutos que o constitui: segue uma jornalista israelita que parte em reportagem por um bairro de Jerusalém e descobre uma convivência entre personagens, judeus, árabes, que não se coaduna com os clichés de representação.

Gitai investe o plano-sequência de ressonâncias políticas: a sua forma de reafirmar, disse, a inseparabilidade do destino de árabes e judeus. Mas o problema é esse: vê-se a cada momento o “comentário” em Ana Arabia, o plano-sequência é de facto omnipresente, como uma lição para a jornalista e para os espectadores; mas Gitai acaba por não acrescentar nada, como se ele próprio não conseguisse contribuir para aprofundar a complexidade de outros clichés.

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 

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