A estreia de Linyera de Melingo ou os tangos burlescos do cantor “maldito”

O novo espectáculo de Melingo é uma aposta ganha, embora o espectáculo atenue de algum modo o efeito de surpresa do disco.

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Melingo Pedro Cunha

4 estrelas Melingo, Linyera Lisboa, Grande Auditório do CCB, 31 de Março às 21h sala semi-lotada

Com estreia absoluta em Portugal, primeiro no Porto, na Casa da Música, e depois em Lisboa, no CCB (infelizmente semi-lotado, merecia mais público), o novo espectáculo de Melingo acentua os toques sombrios dos anteriores, mais triste que melancólico na primeira parte e mais efusivo e burlesco na segunda, mas sem nunca abandonar o denso negrume onde o tango germina. As histórias que canta e conta são figuras marginais (<i>Linyera</i>, o disco, homenageia vagabundos, sonhadores e idealistas) mas também de paixões e até de triunfos.

Com quatro músicos em palco (piano, contrabaixo, bandoneón e guitarras), Melingo abriu o espectáculo com La canción del linyera em versão instrumental, passando depois a Carrapatea e Televidente de la vida, ambas do novo disco. Depressa o largou para mergulhar no reportório dos anteriores: primeiro com o ébrio De todo y para dos, depois com Jack the ripper, Viajando e dois temas do disco anterior (Corazón & Hueso, 2011): El dia que te fuiste e La novia. Depois recuou até Maldito Tango (de 2008), de novo o negrume febril dos “barrios” argentinos, em A lo Magdalena, Cuando la tarde se inclina, Se igual e Eco il mondo. O tocante Negrito antecedeu Corazón & hueso, tema-título do disco homónimo, com Melingo já a abandonar a sombra e a expor-se mais à luz. Julepe en la tierra (de Maldito Tango) abriu caminho a mais três temas do novo disco: Despues de passar, Juan Salvo, el eternauta e Volver a los 17, de Violeta Parra, que Melingo fez soar de forma singular na voz rouca e funda.

Depois da embriaguez da paixão, a embriaguez das ruas: Montmartre de hoy e Muleta de borracho (com Melingo, repetindo um truque vindo já de outros espectáculos, a descalçar o sapato e a tirar a meia do pé esquerdo, arregaçando a calça até ao joelho) antecederam Narigón, mantendo o toque burlesco até à revelação de La canción del linyera (agora cantada) e à fanfarra final de Candonga, num irresistível apelo à dança e já com o público do CCB rendido à performance.

Rendição que se comprovou nos aplausos que forçaram os encores, ambos vindos do disco Santa Milonga: primeiro Noche trasfigurada e depois Ayer, numa despedida que lhe valeu, no final, ser aplaudido de pé, com entusiasmo.

Uma aposta ganha, sem dúvida, embora o espectáculo atenue de algum modo o efeito de surpresa do disco, já que a sequência das faixas gravadas (excelente sequência, por sinal, só parcialmente presente em palco) é diluída no novo alinhamento. Linyera, o disco, merece uma audição atenta para lá da sua dramatização. Porque nem só de performances vive este cantor “maldito” que já se tornou popular entre nós. Ouvi-lo é também uma forma de o “ver”. E ouvi-lo atentamente é vê-lo de maneira ainda mais profunda. Experimentem.

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