Ah! O tempo...

Mas o que é de facto um “relógio”? Desde os cromeleques aos relógios solares, das ampulhetas às velas de cera, dos relógios mecânicos aos electrónicos e aos modernos relógios atómicos, o que qualquer relógio mostra é somente um determinado padrão de variação no espaço de um objecto específico. O tempo, em si, é intangível. É um modo de como nós pensamos e não uma condição da nossa vida, como dizia Albert Einstein.

A melhor maneira de imaginarmos o tempo é pensarmos, por exemplo, num filme gravado num DVD. O cinema é, como sabemos, uma arte do tempo, como o teatro e a música. As diversas imagens e os sons do filme estão registados na face do DVD numa sequência precisa. Se passarmos o DVD num leitor adequado, a sequência é reproduzida correctamente e temos a noção do tempo que se escoa e que dá sentido ao filme. Mas se o aparelho reproduzisse as cenas de modo aleatório não haveria filme. No entanto, o seu registo continuaria o mesmo. Onde está o tempo no DVD?

Podemos dizer que o tempo reside nas culturas dos que o concebem (o tempo de um caracol é decerto diverso do tempo de um nova-iorquino). É um artefacto "comunicacional". Vejamos três exemplos, referentes a três culturas muito diferentes mas bem conhecidas: a das ciências básicas, a das ciências sociais e a das humanidades.

No domínio das ciências básicas, desde há um século que se sabe que diferentes observadores movendo-se a velocidades distintas (comparáveis à velocidade da luz) farão julgamentos diversos quanto à simultaneidade ou não de diversos acontecimentos bem definidos. E que o tempo para um fotão “não passa”. O tempo para os físicos é uma convenção, uma relação de ordem que dá sentido à realidade. As ciências sociais, por outro lado, encontram-se prisioneiras do tempo linear e absoluto newtoniano, pois ele é essencial para a definição da noção de “mudança” e para a sua medição (o facto que as torna, na prática, “científicas”). Finalmente, as humanidades e a filosofia são atemporais, tais constelações “flutuantes no tempo”, cujos objecto e preocupação se centram no significado da linguagem e nas categorias da comunicação.

Mas se é assim, porque nos parece o tempo coisa de tão grande importância? Ainda por cima nunca o temos quando precisamos verdadeiramente dele… O melhor, mesmo, é fazermos como os caracóis: continuar a caminhar, alegremente, sem pressas, na esperança de não topar com um tacho ou uma panela de goela pronta para nos fazer desaparecer sem perder tempo.

Professor universitário, Físico

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