Crónica

Eu, o MEC e o PÚBLICO, 25 anos depois

As duas razões mais importantes que me levaram a querer ser jornalista estão hoje reunidas nesta página: PÚBLICO e Miguel Esteves Cardoso. Não é uma frase de efeito. É a mais pura verdade. E porque é verdade, e porque hoje o PÚBLICO faz 25 anos, e porque por um dia tenho a honra de estar paginado ao lado de Miguel Esteves Cardoso, este é o momento ideal para contar a minha história e dar conta de uma enorme dívida de gratidão. Se não fosse o MEC ter publicado uma edição de A Causa das Coisas no Círculo de Leitores – capa dura, desenho de Jorge Colombo, Dezembro de 1987 –, e se não fosse o PÚBLICO ter nascido a 5 de Março de 1990, neste momento eu seria o mais infeliz engenheiro químico do mundo.

No início de 1988, quando A Causa das Coisas chegou a minha casa, eu era um miúdo de 14 anos a crescer em Portalegre, com acesso a livros por catálogo (Círculo dos Leitores e Selecções do Reader’s Digest), dois canais de televisão (mais uma TVE1 cheia de chuva nos dias em que o vento soprava de este) e uma sala de cinema (Cineteatro Crisfal) que passava os filmes de Stallone e Schwarzenegger aos fins-de-semana. Em minha casa não se lia o Expresso – apenas A Bola, na altura trissemanal (Carlos Pinhão era o meu ídolo) – e O Independente ainda estava para nascer. Por isso, eu desconhecia os textos reunidos em A Causa das Coisas. Muito menos conhecia, como se imagina, a Spectator ou o wit (três belas e intraduzíveis letras) da imprensa anglo-saxónica. Aquilo que para mim é hoje a Santíssima Trindade de qualquer bom texto jornalístico – cultura, inteligência e humor – foi-me ensinado através das crónicas de Miguel Esteves Cardoso. A dívida não é só minha: toda a geração a que pertenço nunca poderá pagar a trabalheira que ele teve a desempoeirar o país.

No início de 1990, quando o primeiro número do PÚBLICO chegou a minha casa, após algumas negociações com os meus pais para passarmos a comprar um jornal diariamente, eu era um adolescente de 16 anos, a ano e meio de entrar para a faculdade. Tinha optado pela área científica, que invariavelmente me iria levar ao Técnico. Penei dois anos e meio em Engenharia Química, perdido entre pipetas e curvas de titulação, com o PÚBLICO como única bóia de salvação mental. Guardava cada número religiosamente, que depois arquivava em sacos de plástico devidamente numerados. Tive perto de dez anos de jornal, centenas de quilos de papel, mais de três mil exemplares, guardados entre o sótão da casa de Portalegre e um armazém a cair de velho na nossa quinta. Até, eventualmente, eles serem comidos pelos ratos e pela humidade, e o meu pai ter decidido pôr um ponto final naquela loucura, livrando-se dos restos do espólio. Ainda estou para lhe perdoar esse gesto de elementar bom senso.

No final de 1993, decidi que já bastava de Técnico. Voltei atrás e entrei para Ciências da Comunicação – o jornalismo tornara-se a opção óbvia para a minha vida. Só que teria sido impossível chegar a esse óbvio sem os textos do MEC ou sem aquilo que aprendi a ler sobre filmes, livros, discos ou política neste jornal. A existência do PÚBLICO confunde-se com a minha própria existência. Sem ele eu seria uma outra pessoa. Os meus parabéns. E, sobretudo, o meu obrigado.

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.