Os desafios que a biodiversidade enfrenta

O ser humano, embora destrutivo e egoísta, continua a ser inovador e criativo. No Dia Internacional da Biodiversidade é importante reflectir no que estamos a decidir, sem medir as consequências.

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Todos os anos, o Dia Internacional da Biodiversidade é comemorado. São inúmeros os eventos oferecidos por autarquias, organizações não-governamentais do ambiente, museus ou centros de ciência viva. Debates, bioblitzes, apresentações de livros e reportagens nos jornais cobrem todos os gostos, horários e diversidade de locais. Actualmente, não se pode dizer que há um défice de informação sobre biodiversidade: há imediatismo nas notícias sobre a descoberta de novas espécies ou nos desastres ambientais que põem em perigo as espécies. As aplicações disponíveis que facilitam a identificação de plantas, aves ou insectos estão já no mercado, o que facilita a curiosidade e o interesse do cidadão para perceber e conhecer o que vê ao seu redor. A ciência cidadã veio permitir uma maior abertura e participação da sociedade no processo científico, através do envolvimento e trabalho conjunto com os investigadores. O conhecimento está, assim, cada vez mais difundido, contribuindo para a melhor compreensão da fauna e flora do nosso país.

Apesar de tantos aspectos positivos, a biodiversidade continua a enfrentar problemas e são inúmeros os desafios que se apresentam à sua conservação. Os diferentes relatórios do IPBES (Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviço dos Ecossistemas) têm, sistematicamente, alertado para a contínua perda de biodiversidade. No início deste ano, 31 investigadores ingleses, num artigo publicado na revista Trends in Ecology and Evolution, identificaram diferentes impactes emergentes que ameaçam a biodiversidade. Estes impactes continuam a reflectir a sobreposição entre os factores decorrentes da actividade humana sobre a biodiversidade e a crescente capacidade tecnológica para os atenuar. Nalguns casos, estes investigadores identificaram novas questões que surgem directamente dos esforços em acabar com a utilização dos combustíveis fósseis, para permitir a redução das emissões de gases com efeito estufa.

A estratégia política e económica tem investido nas energias renováveis, que não são isentas de custos ambientais. Os painéis fotovoltaicos, ocupando largas extensões do território, descaracterizam a paisagem, afectam o equilíbrio do ecossistema, com graves repercussões para a avifauna. Isto sem falar na extracção da matéria-prima necessária à sua produção. A utilização do hidrogénio como fonte de energia alternativa é outra aposta dos últimos anos, levando à procura de novas fontes, mecanismos de transporte e métodos de produção. A utilização directa da água do mar na electrólise do hidrogénio verde aumentaria a sua viabilidade em zonas costeiras. No entanto, a produção de regiões hipersalinas e o excesso de oxigénio que podem ocorrer são prejudiciais para os habitat marinhos.

Uma outra estratégia para diminuir o aumento da concentração de gases na atmosfera está ligada à redução drástica das emissões e à remoção de carbono da atmosfera. Como os oceanos contêm muito mais carbono do que a atmosfera, uma outra estratégia apontada é actuar ao nível do oceano. Isto inclui a fertilização dos oceanos para aumentar a produtividade e a injecção de dióxido de carbono em formações rochosas marinhas. A eficácia destas tecnologias continua por determinar, desconhecendo-se as consequências na redução da concentração de oxigénio ou na diminuição de macronutrientes disponíveis. O desequilíbrio das cadeias alimentares e o aumento da concentração de elementos químicos vestigiais seriam factores a considerar. As potenciais implicações sociais, incluindo as utilizações conflituosas dos oceanos, são também desconhecidas.

Além de soluções para combater a utilização dos combustíveis fósseis e do desenvolvimento de energias renováveis, há ainda a considerar a pegada ecológica da produção alimentar. Esta pegada ecológica está directamente ligada à emissão de gases com efeito de estufa resultantes da produção vegetal e, sobretudo, da produção de carne. O argumento da produção vegetal sem fertilizantes e de uma dieta sem carne tem vindo a aumentar, justificado pela actual degradação dos solos agrícolas. Esta degradação tem vindo a ser imputada à dependência de práticas de lavoura reconhecidas como nocivas e à compactação do solo por excesso de pisoteio do gado. Ninguém reconhece a exploração extensiva e intensiva como factores de degradação e alteração da paisagem, pelo interesse da rentabilidade económica que isso traz. A verdade é que a expansão da agricultura para a produção alimentar é uma das maiores ameaças à perda de biodiversidade.

Para combater este problema e continuar a produzir alimento para uma população que não pára de crescer, têm-se desenvolvido novas tecnologias ligadas à biologia sintética. A produtividade primária é limitada pelo processo fotossintético, que se pode tornar ineficiente dependendo das condições climáticas. Desde sempre o aumento da eficiência fotossintética tem sido a procura incessante dos fisiologistas, a fim de suportar uma produtividade maior e mais sustentável. Há dois anos, uma equipa de investigadores americanos desenvolveu um sistema de fotossíntese como via alternativa eficiente para capturar CO2 e produzir alimentos adicionais, em condições artificiais. Este novo processo fotossintético, demonstrado em laboratório para várias culturas alimentares, tem potencial para ganhos de eficiência significativos, além de permitir a produção urbana de alimentos em edifícios de vários andares.

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Paralelamente há o desenvolvimento de soluções alternativas. Muitas empresas estão a produzir proteínas à base de bactérias com um perfil nutricional semelhante ao da soja ou do peixe, que podem ser integradas em muitos produtos alimentares. Há também uma aposta na produção proteica à base de algas ou mesmo de insectos, como advoga a FAO. Se a indústria puder expandir rapidamente este método de produção alimentar, a procura crescente de proteínas para consumo humano ou animal poderá ser descentralizada e dissociada das consequências ambientais e crescentes da sua produção. Serão necessárias mudanças significativas na adopção de novas dietas, mas seguramente novos mercados e negócios surgirão.

Grande parte destes desenvolvimentos poderá influenciar significativamente a conservação biológica no futuro, quer positivamente, ao reduzir a pressão sobre a terra para a produção de alimentos, quer negativamente, ao afectar os ecossistemas marinhos e terrestres. No entanto, é de constatar que o ser humano, embora destrutivo e egoísta, continua a ser inovador e criativo, procurando soluções tecnológicas. Correndo o risco de parecer que estou sempre contra os avanços tecnológicos, que não estou, julgo que neste dia da biodiversidade não deve ser isso que nos deve preocupar. O mais importante, neste dia, é reflectir no que estamos a decidir ou a deixar decidir, sem medir as consequências. Que caminhos evolutivos permanecerão abertos e quais os que se fecharão para sempre? Nunca, em tão curto espaço de tempo, uma espécie teve um impacto tão grande na história evolutiva da Terra como o Homem.

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