Roma: favorito aos Óscares é do Netflix mas cria excepção nos cinemas em Portugal

Filme de Alfonso Cuarón com que o serviço de streaming está a cortejar os Óscares chega esta quinta-feira a sete salas portuguesas, um dia antes de ficar disponível on-line. Mas segundo as suas próprias regras: “A título excepcional e por tempo limitado”, ICA não vai divulgar resultados do filme.

Foto
DR

Roma, o filme de Alfonso Cuarón que agitou os festivais de cinema e agora se perfila como um dos favoritos para a temporada de prémios, vai estrear-se esta quinta-feira em sete cinemas portugueses e só depois – um dia depois, sexta-feira – ficará disponível em streaming. É um sintoma da nova estratégia do Netflix, mas também de um novo momento da indústria. Por cá, a sua chegada às salas abrirá a porta a uma excepção: ao contrário do que é a sua prática habitual, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) não divulgará para já os resultados de bilheteira do filme.

Em Portugal, a estreia de Roma deixa de fora grandes exibidores como a Nos (que em 2017 detinha 39,6 % dos ecrãs e uma quota de mercado de 60,5% dos espectadores), e também os cinemas Cineplace, UCI, Castello Lopes ou Cinema City. Em Lisboa estará nos cinemas Monumental (Medeia Filmes, que também o levará ao Charlot de Setúbal) e Ideal (Midas Filmes), no Porto será exibido no cinema Trindade (Nitrato Filmes); o Cinemax de Penafiel, o Atlântida Cine em Carcavelos e o Cinema da Villa em Cascais são as outras salas que receberão o filme. Prevê-se que fique na maior parte destes cinemas pelo período mínimo e convencional de um mês, aproximando-se das nomeações aos Óscares (dia 22) e do início da temporada de prémios.

O filme de Alfonso Cuarón, que teve antestreia portuguesa no Lisbon & Estoril Film Festival, estreia-se “sem distribuidor oficial em Portugal”, como frisa o próprio serviço, e com apenas um “parceiro de promoção” nacional conhecido, a Pris Audiovisuais. Mas como conviverá a política férrea do Netflix de não divulgar números sobre os seus conteúdos com a legislação portuguesa que obriga os exibidores a comunicarem ao ICA os seus resultados de bilheteira? Essa obrigação “mantém-se e será cumprida”, garantiu o ICA ao PÚBLICO. “Contudo, a título excepcional e por tempo limitado, o ICA não irá divulgar os dados de box-office do filme em questão”, ressalva o instituto, lembrando que a comunicação dos referidos dados à imprensa e ao grande público não é obrigatória por lei. “Os resultados de box-office deste filme serão oportunamente divulgados.”

É um novo contexto, para o qual começam a desenhar-se novas regras. “Tendo o ICA, tal como outros organismos congéneres a nível internacional, sido confrontado, pela primeira vez, com a existência de um acordo de confidencialidade entre distribuidora e Netflix, referente à divulgação de resultados de bilheteira, o instituto decidiu respeitar o referido acordo. O ICA considera que a sua actuação não deve, de forma alguma, prejudicar o bom e livre funcionamento da distribuição e exibição cinematográfica em Portugal”, prossegue o email dirigido ao PÚBLICO, “nem tão pouco limitar o acesso do público português ao visionamento de uma importante obra em sala de cinema, em condições paritárias com as de outros mercados europeus”.

O serviço que só há três anos começou a produzir longas-metragens persegue a glória do cinema convencional, cortejando agora quer os seus espaços quer os seus prémios. Mas aplicando-lhe as suas regras do novo audiovisual. Pedro Borges, da Midas Filmes, defende que “não interessa aos espectadores se é um filme Netflix ou não, nem quantos espectadores teve, o que interessa às pessoas é se o filme é bom ou mau”. É um dos exibidores de cinema independente que terá Roma em sala. “É um filme mexicano, a preto e branco, falado em espanhol, de 2h15m. É o género de filmes que os cinemas independentes estreiam. E como as grandes cadeias preferem fechar os olhos e os ouvidos ao que está a acontecer no mundo, isso é bom para os cinemas independentes.” 

O cenário em Portugal replica o que se passou em vários países. No México, país natal de Cuarón e palco de Roma, os maiores exibidores (Cinepolis e Cinemex) não programaram o filme porque exigiam uma janela de exibição exclusiva de 90 dias (o filme estreou-se a 21 de Novembro); chegará por estes dias a cerca de cem salas, segundo o Netflix. Idêntico número de salas exibirá o filme nos EUA, onde também os cinemas AMC e os Regal, dominantes, recusaram o filme por defenderem uma janela de exibição mais ampla.

Na edição 2017 do Festival de Cannes, o nome Netflix foi apupado quando apareceu no genérico de Okja; já este ano, Roma abandonou o festival porque não cumpria a condição obrigatória de vir a estrear nos cinemas franceses. Entretanto, o filme ganhou o élan do Leão de Ouro de Veneza e da aclamação crítica. É fruto de um realizador já coroado pelos Óscares (Gravidade) e que está a fazer uma campanha muito pessoal pelo seu filme: “Se nem todos os caminhos chegam a Roma, Roma chega a ti”, escreveu dia 8 no Twitter sobre um novo expediente, o Cinemovil, uma sala itinerante com a marca Netflix que viaja pelo México com o seu filme.

Um mercado em mudança

Este “filme Netflix”, como se define, marca um momento de viragem na indústria. É um dos três que o serviço estreou este ano em sala (no caso de Roma, em mais de 600 salas de 40 países) antes de os disponibilizar na sua plataforma paga; até aqui, só tinha consentido escassas estreias simultâneas. 

Em Espanha, só três cidades (num total de cinco salas) estrearam o filme, na semana passada. “Se a estratégia de um distribuidor não coincide com a nossa e não se ajusta à janela de exclusividade em sala, não passamos o filme”, explicou o maior exibidor espanhol, o Cinesa, em comunicado. Também ali não são conhecidos os números de bilheteira. Tal como em Portugal, não há regras firmes para a duração do intervalo entre a exibição dos filmes nos cinemas e a sua chegada a outros ecrãs, mas a prática comum é que seja de três ou quatro meses.

Pela primeira vez na história, não é certo que venham a conhecer-se os resultados de bilheteira de um potencial candidato ao Óscar de Melhor Filme. Os dados existentes para o mercado americano – que indicam que o filme terá conseguido uma performance recorde para um filme estrangeiro e legendado, superando 300 milhões de dólares de receitas brutas – são só estimativas coligidas pela imprensa especializada (IndieWire, Deadline ou Hollywood Reporter).

Há cerca de um mês que o PÚBLICO questiona o Netflix sobre esta nova estratégia em relação ao cinema e seus detalhes. Até à data de publicação desta notícia não obteve resposta. Os outros títulos incluídos nesta nova abordagem ou já estrearam em streaming (The Ballad of Buster Scruggs, dos irmãos Coen) ou lá têm estreia iminente (Bird Box, de Susanne Bier e com Sandra Bullock, para dia 21) sem previsão de estadia nos cinemas portugueses. As cenas dos próximos capítulos deste mercado em mudança estão reservadas para 2019, por alturas dos Óscares — ou quando Martin Scorsese estrear The Irishman, também via Netflix.

Sugerir correcção
Comentar