Salários na ANAC tiveram como referência Banco de Portugal e primeiro-ministro

Comissão de vencimentos diz que ordenados estão em linha “com prática generalizada” nos reguladores. PS quer alterar a lei e “moralizar” salários.

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O antigo INAC deu lugar à ANAC, o regulador da aviação civil PÚBLICO/Arquivo

As remunerações fixadas para os órgãos de administração da Autoridade Nacional para a Aviação Civil (ANAC) e a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) tiveram como referência máxima e mínima o salário do governador do Banco de Portugal e o ordenado do primeiro-ministro, explicaram esta quinta-feira dois dos membros das comissões que fixaram estes vencimentos.

Eduardo Cardadeiro (que foi nomeado pelo anterior ministro da Economia) e Luís Pires (nomeado pela anterior ministra das Finanças) estiveram esta quinta-feira na comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas (CEIOP) a serem questionados sobre os salários fixados para os conselhos de administração das entidades reguladoras da aviação civil e dos transportes.

“Pareceu-nos que devia ser considerado como referência superior, não alcançável, a remuneração do Banco de Portugal e como referência inferior o vencimento do primeiro-ministro”, explicou Eduardo Cardadeiro, ex-administrador da Anacom, ao deputado do CDS Pedro Mota Soares.

Questionado por Bruno Dias, do PCP, sobre o facto de a comissão ter ido buscar “como contraponto ao único valor que é definido por lei” (o do primeiro-ministro), um valor “da Liga dos Campeões” (o do supervisor financeiro), em vez de ter ido buscar como referência “o salário médio ou salário mínimo”, Cardadeiro frisou que a decisão foi “consistente com o passado das entidades reguladoras”.

“Desligar ou não limitar” o ordenado dos reguladores ao da administração pública e ao do primeiro-ministro (6800 euros), tem sido “uma prática corrente ao longo de décadas”, sublinhou o ex-administrador da Anacom. “O legislador assumiu ao longo de décadas que o salário [dos reguladores] acima do PM era aceitável” e "poderia ter tido a opção de fixar o ordenado do primeiro-ministro como referencial máximo [na lei-quadro] e não o fez”, acrescentou Cardadeiro.

A comissão de vencimentos da ANAC e da AMT fixou o vencimento mensal do presidente da administração nos 12,3 mil euros, estando o do vice-presidente e o dos vogais perto de 11 mil e dez mil euros, respectivamente. Mas, a estrutura salarial destas remunerações definidas ao abrigo da lei-quadro das novas entidades reguladoras prevê que a um valor base sejam somadas despesas de representação relativas a 40% desse montante. Assim, na prática, as remunerações brutas acabam por aproximar-se dos 16 mil, 14 mil e 13 mil euros, respectivamente.

Foi a primeira vez que se fez “um esforço para tentar justificar e fundamentar os montantes” pagos aos reguladores, disse Cardadeiro. A comissão seguiu critérios como “a complexidade, a dimensão, a responsabilidade e as práticas habituais [de remuneração das empresas privadas] do sector” da aviação e transportes para justificar os montantes remuneratórios atribuídos às administrações da ANAC e da AMT, que acabaram por vir a atingir os valores que já são pagos a outras entidades reguladoras como a ERSE e a ANACOM.

Estes, por sua vez, têm como referência 85% do salário do vice-governador do Banco de Portugal, uma regra antiga, do tempo em que a lei ainda não obrigava à existência de comissões que fixassem os seus vencimentos e que nunca foi alterada.

O professor universitário recusou ainda que a comissão tenha errado ao interpretar a lei ao usar o ordenado do primeiro-ministro como limiar mínimo e não máximo para fixar os salários. “Parece claro que o vencimento do primeiro-ministro era um referencial inferior”, disse Eduardo Cardadeiro, recordando que o antigo Instituto Nacional da Aviação Civil (INAC) deu lugar à ANAC, que passou a ter “mais competências e responsabilidades”.

Se o ordenado dos presidentes dos institutos estavam “alinhados com o do primeiro-ministro”, então decorre da “evolução da própria legislação”, que havendo um upgrading de responsabilidades e competências, teria de haver também uma revisão salarial em alta, notou o ex-administrador da Anacom.

Ao Bloco e ao PCP, que já tinham manifestado intenção de alterar a lei-quadro das entidades-reguladoras, junta-se agora o PS. “Não resta outra alternativa à Assembleia da República senão alterar uma lei mal conseguida” disse ao PÚBLICO  o deputado socialista Luís Moreira Testa.

Escusando-se a dizer que tipo de alterações poderão ser introduzidas, o deputado socialista sublinhou que espera ser possível “consensualizar na CEIOP um modelo que permita moralizar as remunerações” dos reguladores. O PS vai “desencadear este processo nos próximos dias”, sublinhou o deputado.

 

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