Presidente quer um Governo para quatro anos

Na tomada de posse do Governo, Cavaco disse que não lhe apresentaram uma alternativa “credível”. E Passos advertiu para o risco de se “deitar tudo a perder” por causa de “ambições políticas pessoais”.

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Passos Coelho e Aníbal Cavaco Silva na cerimónia de tomada de posse do novo Governo Daniel Rocha

O discurso presidencial que coroou a tomada de posse do Governo de Passos Coelho estava cheio de recados para o líder da oposição. Cavaco Silva declarou que o XX Governo Constitucional tem “legitimidade política” para governar e definiu as balizas para um eventual acordo alternativo à esquerda. Sugeriu que o horizonte são os quatro anos de uma legislatura, pediu estabilidade política e exige fidelidade aos compromissos europeus. Por sua vez, Passos Coelho fez um discurso quase alheio à crise política que se avizinha, mas advertiu para as consequências de “ambições políticas pessoais”.

O primeiro-ministro, 16 ministros e 36 secretários de Estado tomaram posse esta-sexta-feira, numa cerimónia que decorreu com normalidade, no Palácio da Ajuda. Este Governo poderá ter uma vida muito curta, caso o PS, aliado ao PCP, BE e PEV, chumbem o programa já na terça-feira da próxima semana (dia 10). Aliás, à direita a vida partidária foi retomada. No dia em que o Governo foi empossado, o vice-primeiro-ministro Paulo Portas tinha marcado um jantar do CDS-PP em Santa Maria da Feira.  

À semelhança do que aconteceu na mais recente comunicação ao país, Cavaco Silva voltou a recuperar passagens de um discurso que fez, em 2009, na tomada de posse do Governo liderado por José Sócrates, precisamente apoiado pelo PS mas sem maioria no Parlamento. “O Governo que hoje toma posse tem plena legitimidade constitucional para governar. Conquistou essa legitimidade nas urnas”, disse, começando assim por justificar a sua decisão de indigitar Passos Coelho como primeiro-ministro.

Ao mesmo tempo, Cavaco justificou a rejeição de uma solução de governação à esquerda: “Não me foi apresentada, por parte de outras forças políticas, uma solução alternativa de Governo estável, coerente e credível”.

O chefe de Estado defendeu de forma intransigente a necessidade de Portugal mostrar “fidelidade” aos compromissos internacionais, designadamente com a União Europeia e a zona euro. E acenou com um cenário negro se Portugal hesitar em defender a sua credibilidade externa e falhar no financiamento da economia. “Sem acesso a meios de financiamento, o Estado terá dificuldade em satisfazer os seus compromissos”, afirmou.

Cavaco Silva alertou para o risco de não haver estabilidade política. Sem isso, “Portugal tornar-se-á um país ingovernável”. Mais um recado para o líder do PS a poucos dias do debate do programa de Governo no Parlamento e de um anunciado chumbo.

Num discurso mais suave para a esquerda face ao que fez na comunicação da passada semana, o Presidente da República não deixou de definir o que considera ser o horizonte temporal de um Governo mesmo sem maioria absoluta. “Deve ser sempre a legislatura”, disse, citando mais uma vez a intervenção que fez em 2009, e no momento em que há dúvidas sobre os termos do acordo que vier a ser fechado entre o PS e as forças à sua esquerda.

"Governo a prazo"
O tom foi mais ameno e a resposta dos socialistas também. O presidente do PS, Carlos César, disse subscrever algumas passagens do discurso de Cavaco Silva sobretudo em torno das “fragilidades do país” e da necessidade de um futuro Governo “estar em sintonia” com os compromissos internacionais. Já o BE, pela voz de Marisa Matias, criticou a tomada de posse de um “Governo a prazo” e acusou Passos Coelho de estar a fazer a campanha de 2019.

O presidente voltou a lembrar que os eleitores, nas legislativas de 4 de Outubro, apoiaram por “esmagadora maioria a opção europeia”, o que inclui o PS, mas deixa de fora partidos como o BE e o PCP.

Cavaco Silva ainda fez um apelo ao diálogo, que foi retomado por Passos Coelho, alargando essa disponibilidade a todas as forças. O recém-empossado primeiro-ministro lembrou que a procura de compromisso marcou o último governo, num processo de negociação “intenso e difícil” com a troika. “Esse sentido do compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido, e o meu apelo ao espírito de cooperação e de construção de entendimentos estende-se a todas as forças políticas, cívicas e sociais”, afirmou.

Apesar da declaração de abertura a todas as forças políticas, o discurso reitera a necessidade de cumprir os compromissos europeus que decorrem da participação de Portugal na União Europeia e na zona euro, obrigações que suscitam dúvidas ao PCP e ao BE. Como nestes partidos de esquerda, a questão do cumprimento do Tratado Orçamental tem estado diluída, Passos Coelho deixou um aviso, dizendo que “não há ilusão política que possa disfarçar este imperativo”. “Ninguém deve arriscar o bem-estar dos portugueses em nome de uma agenda ideológica ou de ambições políticas pessoais e partidárias", frisou.   

Na sua intervenção, Passos Coelho não deixou transparecer directamente o anunciado chumbo do Governo, mas deu recados a António Costa em torno dos riscos de deitar fora os resultados obtidos na economia e na credibilidade. “Num contexto em que a incerteza tem um custo tão elevado, em que a confiança rapidamente de destrói e em que a competitividade facilmente se evapora, os desvios precipitados poderiam deitar tudo a perder”, afirmou. E o primeiro “desvio” a que o chefe de Governo se refere é o das contas públicas e à necessidade de garantir que o défice em 2015 ficará abaixo dos 3%.

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