Reacções: Cavaco “de costas voltadas para o país” e em “estado de negação”

Passos devia ter tido a “humildade” de dizer a Cavaco que não tinha maioria parlamentar, nem condições para governar, defende Marisa Matias. “Fragilidades” económico-financeiras do país, referidas por Cavaco, “contrastam com propaganda eleitoral” da direita, acusam comunistas e socialistas.

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Daniel Rocha

A candidata à Presidência da República apoiada pelo Bloco de Esquerda lamentou nesta sexta-feira que o Chefe de Estado tenha feito “mais uma vez” um “discurso de costas voltadas para o país” e de elogio ao executivo cessante. As declarações de Marisa Matias foram feitas à SIC Notícias, em Bruxelas, onde falou também com o PÚBLICO por telefone.

As reacções à cerimónia de tomada de posse deste executivo, na qual discursaram o Presidente da República Cavaco Silva e o primeiro-ministro, Passos Coelho, sucederam-se. Citado pela Lusa, o deputado do PS João Galamba saudou o discurso do Presidente, considerando que registou “uma redução significativa da crispação que marcou o discurso anterior”, o que “é bom para todos” e para “a democracia portuguesa”.

Já o presidente do PS, em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, concorda com Cavaco no que toca à necessidade de cumprir os compromissos externos, de estabilidade política e ainda no que respeita às “fragilidades” económico-financeiras de Portugal.

Fragilidades essas, disse, que “contrastam com a propaganda eleitoral” feita “pela direita ao longo da campanha” e que estiveram também presentes em “algumas passagens do discurso do primeiro-ministro”, criticou o socialista.

“O país, sem estabilidade, não tem governabilidade. Por isso, temos insistido que o Governo empossado tem um potencial de instabilidade e tem o vírus da sua incapacidade na promoção de uma maioria parlamentar. Ora, na esteira das preocupações do Presidente da República, é justamente isso que o PS tem vindo a desenvolver através de contactos com outros partidos políticos, goradas que foram as negociações com o PSD e com o CDS”, disse, garantindo que o PS “está a trabalhar” num acordo para um Governo com “apoio parlamentar estável para uma legislatura” e que as negociações estão a correr “bem”.

Esse programa terá em vista, explicou, a recuperação do rendimento das famílias, a criação de condições de investimento privado e de reorientação do investimento público, o respeito pelos compromissos assumidos com a União Europeia, entre outros aspectos.

Sem "instabilidade"
Sobre as negociações em curso à esquerda, também o líder parlamentar do PCP João Oliveira garantiu que não sente qualquer instabilidade, mesmo existindo “diferenças de perspectiva” que considera naturais.

“Da nossa parte não sentimos instabilidade nenhuma na discussão que temos estado a fazer e continuamos a fazer de forma séria e aprofundada, procurando encontrar as políticas que respondam à situação do país”, disse, frisando que o que interessa aos comunistas é responder aos problemas da população – dos reformados, dos precários, dos desempregados. E acrescentou que “a durabilidade de qualquer solução governativa resulta das opções políticas que sejam feitas”.

João Oliveira não deixou também de apontar o dedo ao Presidente da República: “É cada vez mais clara a extensão e dimensão da responsabilidade [de Cavaco] pela instabilidade que criou no país ao decidir indigitar Passos Coelho para formar Governo.”

E, tal como Carlos César, também considerou que o discurso de Cavaco deixou à vista “a propaganda do PSD e CDS quanto à recuperação do país”. Foi uma “propaganda mentirosa”, afirmou, referindo-se, entre outros aspectos, à existência de “18 mil milhões de juros da dívida” e ao “elevadíssimo grau de endividamento”.

Ao contrário de Carlos César, que considerou que as negociações com a direita saíram “goradas”, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, garantiu que PSD e CDS "continuam abertos" ao diálogo com os socialistas: "Infelizmente o PS decidiu trilhar um caminho de aproximação à extrema-esquerda, ao PCP e ao BE e ao Partido Ecologista Os Verdes e simulou apenas uma negociação com a coligação Portugal à Frente. Nós continuamos abertos a esse diálogo", disse, citado pela Lusa.

O mesmo reafirmou o líder da bancada parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, também citado pela Lusa: “Há sempre condições para o diálogo e para o compromisso”, declarou, referindo-se às negociações à esquerda como "umas reuniõezinhas e um acordo que ninguém conhece".

"Louvores" ao Governo
A reacção do BE à cerimónia de tomada de posse deste Executivo chegou de Bruxelas. Nesta sexta-feira, Marisa Matias já tinha conversado com jornalistas italianos, espanhóis, sempre como candidata a Belém. Quando PÚBLICO lhe ligou, estava a dar uma entrevista a um jornal grego, mas interrompeu-a e pediu compreensão: “Portugal tem prioridade.”

Em directo para a televisão e ressalvando que o Presidente tem “legitimidade” política para nomear e dar posse ao Governo de Passos Coelho, a eurodeputada considera, no entanto, “dispensável” que o “árbitro da democracia” tivesse aproveitado “uma vez mais” para “fazer louvores ao Governo cessante”.

Marisa Matias alertou: “Não cabe ao Presidente da República rejeitar ou condicionar o programa de Governo”, disse, frisando que tal é uma competência da Assembleia da República. “Claramente [o Presidente] está a tentar condicionar qualquer programa de Governo e isso está fora do seu papel, sobretudo porque tanto fala em estabilidade e não se pode transformar ele próprio num factor de instabilidade todos os dias”, reiterou ao PÚBLICO.

Para a candidata, esta foi a “tomada de posse de um Governo a prazo, condenado” e com um discurso do primeiro-ministro já em tom de “pré-campanha para 2019”. A eurodeputada lembra que uma proposta de rejeição ao programa de Governo deverá ser apresentada por PS, PCP e BE, os três partidos que têm andado em negociações com vista a uma solução de Governo alternativa e que podiam dar ao país, diz, uma “maioria de estabilidade”.

Já Os Verdes usaram da ironia para criticar o discurso do Presidente, considerando que Cavaco “não se conforma” com os resultados eleitorais da coligação PSD/CDS que perdeu a maioria parlamentar e está em “estado de negação”.

O Governo empossado “não tem condições para fazer passar um programa na Assembleia da República e, por isso, caso todos os partidos assumam as suas responsabilidades, este Executivo será inviabilizado nos próximos dias 9 e 10 de Novembro”, quando será discutido o seu programa na Assembleia da República, diz o Partido Ecologista Os Verdes.

O deputado do PAN André Silva também mostrou preocupação com as declarações do Presidente sobre o Tratado Transatlântico, ao qual este partido se opõe. No seu discurso, Cavaco salientou que se exige que o Governo "assegure uma participação activa e construtiva na negociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, de modo a melhorar as condições de competitividade dos produtos portugueses nos mercados norte-americanos". 

Só depois de analisar o programa de Governo, o PAN tomará uma posição sobre a moção de rejeição, em conjunto ou separadamente, que será apresentada por socialistas, bloquistas e comunistas.

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