Costa vai ter de negociar com mais um "grupo" parlamentar

Com um acordo à esquerda a ganhar velocidade, surgem sinais no interior do PS de que Costa terá de trabalhar num entendimento para assegurar que deputados socialistas não peguem fogo à maioria de esquerda.

Foto
A delegação socialista com Cavaco Silva Nuno Ferreira Santos

Sem revelarem em detalhe as condições de estabilidade de um governo liderado pela esquerda, os líderes do PS e do BE saíram das audiências com Cavaco Silva já com o discurso harmonizado. António Costa assegura ter condições para um governo estável, com apoio de PCP e BE, Catarina Martins repetiu o mesmo horas mais tarde. Os dois defenderam que essa solução deve avançar já, para não fazer o país “perder tempo”. Já Passos Coelho espera que o PS “assuma as suas responsabilidades na Assembleia da República, num tom em que quase desafiou António Costa a derrubar um futuro governo da coligação PSD-CDS.

Mas o sucesso da hipótese crescente de um entendimento com os partidos à sua esquerda – BE, PCP e Verdes – levanta uma nova questão à actual liderança socialista. Isto, porque existe no recém-eleito grupo parlamentar do PS um conjunto de deputados que poderá não aceitar esse acordo como um facto consumado.

Ao longo dos últimos dias, foram surgindo reticências entre socialistas sobre o processo encetado pelo secretário-geral do PS. Entre estes, o líder socialista terá de ter em conta um posicionamento em bloco dos militantes do seu partido que não apoiaram a sua liderança na disputa interna em que destronou António José Seguro. No total, somam 15 lugares, o que é o suficiente para esvaziar a maioria de esquerda que Costa apresentou a Cavaco Silva.

Perante a declaração do secretário-geral, imperou o silêncio. Afinal, o líder tinha convocado uma reunião da comissão política para esta quinta-feira com o objectivo de apresentar os resultados do seu mandato.

Até ao momento, esta facção permanece em silêncio para descortinar o próximo passo e um sinal de Costa em relação ao interior do PS. Desde as legislativas que alguns destes militantes e dirigentes criticaram a ausência de esforço do líder no sentido de sarar feridas e “garantir a unidade” do partido.

E estão já identificados os dois momentos em que este grupo vai avaliar a conduta do actual líder. O primeiro está a poucos dias de acontecer, com o nome que vier a propor para presidente da Assembleia da República. O segundo momento será na constituição do governo e no espaço que estiver disponível para ceder à ala segurista. Caso contrário, avisava um desses socialistas, “Costa vai ter de andar sempre a apagar fogos”.

Costa garante "apoio maioritário"
Em Belém, o líder do PS repetiu a ideia de que não será um obstáculo à governabilidade, caso não disponha de uma alternativa. Anunciou ter essa alternativa perante os jornalistas, depois da audiência em Belém, embora sem revelar o teor dos entendimentos à esquerda. “Aquilo que nós transmitimos ao senhor Presidente da República é que julgamos que estão criadas condições para que o PS possa formar um Governo que disponha de um apoio maioritário na Assembleia da República e que assegure condições de estabilidade no país”, afirmou.

Esse apoio, revelou, é fruto dos “contactos” que tem mantido com o PCP e com o Bloco. Ao mesmo tempo que evidenciou a alternativa à esquerda, Costa sublinhou a inexistência de uma maioria à direita. "Essa força – o PSD – não conseguiu formar uma solução maioritária (...), não tem condições para um apoio maioritário no Parlamento. Não devemos por isso adiar a solução parlamentar que pode assegurar uma maioria", afirmou, acrescentando que o "PS está disposto a assumir responsabilidades para criar essas condições".

Não reclamou para si a indigitação, mas, tal como já anteriormente Passos Coelho tinha pedido, também o PS quer que a situação de “incerteza” não se arraste no tempo. Ao lado do presidente do partido, Carlos César, do líder parlamentar, Ferro Rodrigues, e de Maria da Luz Rosinha, do secretariado nacional, António Costa foi questionado sobre o teor dos acordos com o PCP e o BE, mas não revelou os detalhes.

Logo depois, após uma audiência com Cavaco Silva, Catarina Martins veio corroborar a mensagem de António Costa, mas também não revelou claramente se há um acordo escrito com o PS e PCP ou quais os seus termos. “No que diz respeito ao Bloco estão criadas as condições para um governo que não tenha Passos Coelho ou Paulo Portas (...), ou seja, estão criadas as condições para uma maioria estável para a Assembleia da República”, afirmou Catarina Martins, após meia hora de encontro com o Presidente da República.

A dirigente bloquista afirmou que as “divergências [com o PS] foram ultrapassadas” e defendeu que chamar a coligação a formar governo seria “uma perda de tempo” por não obter apoio parlamentar e “só atrasa o país”. Questionada sobre se há um acordo entre o BE e o PS e se permite viabilizar o programa de gfoverno e um Orçamento do Estado, Catarina Martins referiu que o Bloco é garante de um governo que assegure salários, pensões e emprego, remetendo para “os próximos dias” o teor do entendimento.

A dirigente referiu que o PS aceitou as três condições iniciais do Bloco – actualização de salários, a rejeição da medida facilitadora dos despedimentos e recuo na descida da TSU – e que isso permitiu avançar nas negociações. “Os reptos que o Bloco lançou tiveram resposta positiva. Todos eles estão a chegar a bom porto”, afirmou ao lado do líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, e do dirigente José Manuel Pureza.

Desafio de Passos
A clarificação pedida ao PS por Passos Coelho, logo ao início da tarde, após a audiência com o Presidente, foi em parte respondida por Costa. O líder do PSD (e da coligação PSD-CDS) reiterou que deve ser o próprio a ser nomeado primeiro-ministro e desafiou o PS a "assumir as suas responsabilidades no Parlamento” como partido “derrotado nas eleições”.

Em jeito de desafio, Passos Coelho assumiu que a coligação procura condições de estabilidade para governar e que ainda “não foi possível obter uma clarificação por parte do PS”. Uma declaração que pedia uma definição ao PS: ou viabiliza um governo da coligação, “respeitando os resultados” das eleições, ou o derruba.

A porta do diálogo com o PS não foi fechada, agora na frente parlamentar, desde que, do lado dos socialistas, exista essa "abertura". Uma coisa é certa, a coligação PSD-CDS não procurará "viabilizar" um governo junto do PCP e do BE por terem programas que "não são compatíveis" com o da aliança.

A ideia de que o nomeado deve ser Passos Coelho foi reforçada ao final da tarde pelo líder do CDS, Paulo Portas, o último a ser recebido esta terça-feira em Belém. O dirigente da coligação a quem coube criticar António Costa: “É absolutamente extraordinário ver um líder político à procura da sua sobrevivência considerar o voto do povo um detalhe e o Parlamento uma formalidade.” Esta quarta-feira, o Presidente recebe o PCP, o PEV e o PAN. Depois deverá anunciar quem nomeia para primeiro-ministro.

 
Sugerir correcção
Ler 20 comentários