O prazer de esquecer

Esquecer é poupar. Há coisas que só ganham por não serem lembradas.

Começo a esquecer-me e a enganar-me. Não resisto. O meu pai passou os últimos 30 anos da vida dele a chorar a memória que tinha quando tinha 30 anos de idade. Mas sempre a avisar-me: “é escusado perder tempo a pensar no tempo em que o tempo se perdia a fazer coisas em vez de pensar nelas”.

Perde-se sempre tempo a pensar, seja qual for a idade. Pensar é uma das melhores maneiras de passar o tempo. Então pensar sobre o tempo a passar: que melhor maneira pode haver de enfrentar a morte? Nenhuma. Por enquanto ainda sei que me esqueço e que me engano. Ainda sou capaz de querer procurar – e de procurar e encontrar – as coisas de que me vou esquecendo.

Mas, ao mesmo tempo, sinto e sei que vem aí um tempo em que não só não darei pelos esquecimentos e enganos como serei incapaz de resolvê-los. O cérebro envelhece: enche-se, erradamente, das coisas mais antigas e menos úteis.

Borges é uma das poucas pessoas que escrevem que é sincera (e loucamente optimista) acerca do esquecimento de quem já não vai para novo ou nova.

A memória, como repositório ou habilidade, é tida como uma coisa boa. Mas talvez seja mais como uma retenção de líquidos. O edema está para a saudade e para a saúde como a taquicardia está para a paixão e para a cardiologia.

Esquecer é poupar. Há coisas que só ganham por não serem lembradas. O esforço de recordar aquilo que ganha mais por ser esquecido é como passar um ano inteiro a recuperar uma hora de sofrimento que já passou.

O tempo é justo.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários