Não me esqueci

A nossa consolação só pode ser uma: sabermos que mentiram, para poupar-nos.

Passam-se meses e cruzo-me com alguém que me tinha prometido uma coisa. Ela diz-me logo: "não me esqueci!"

Às vezes as coisas que me prometem são serviços que eu pedi por saber que me iam cobrar um preço justo por eles. Por exemplo: virem cá a casa reparar uns ladrilhos.

Nunca vêm. Os ladrilhos continuam desconsertados. Mas quando me cruzo com o ladrilhador ele contra-ataca "Não me esqueci!" esquecendo sempre o resto da declaração que me sossegaria, tal como "na próxima segunda-feira passo por aí logo de manhãzinha".

Essas promessas incumpridas só representam 1 por cento dos inesquecimentos. Os restantes 99 por cento são ocupados por promessas que preferiríamos que nunca tivessem sido feitas: pagaríamos até para não serem jamais cumpridas.

É a canja de codornizes. São as pulseiras de corno de caracol que bloqueiam as dores nas costas. É o livro de poemas do serralheiro analfabeto que inventou uma nova língua. É o almoço que falta marcar com o único chefe capaz de compor um chouriço de peixe reimoso.

Dizem sempre "não me esqueci!" Não digam isso. Por favor, para todos os nossos bens, digam "esqueci-me!" para podermos ter o alívio e o prazer de podermos odiar-vos imediatamente. E, ao mesmo tempo, agradecermos epicamente a salvação que nos trouxeram, na proporção correcta que dista do tudo prometido ao nada infligido.

A culpa é toda vossa, por terem prometido. A nossa consolação só pode ser uma: sabermos que mentiram, para poupar-nos.

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