Mulher que fechou dois filhos em casa durante anos considerada inimputável

Casal acusado de sequestro agravado e de violência doméstica. Mãe sofrerá de psicose paranóide e exame psiquiátrico do pai não está concluído. Mulher está internada em hospital psiquiátrico

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Casal vivia nesta casa da Amoreira, Cascais, desde 1986. Nuno Ferreira Santos

A acusação do casal que manteve os dois filhos, António de 42 anos e Ana Sofia de 40, fechados durante pelo menos oito anos na casa onde todos viviam na Amoreira, em Cascais, não deixa ninguém indiferente. O filho, diz o Ministério Público, esteve pelo menos seis anos fechado numa divisão de três metros quadrados, sem janelas, luz ou mobiliário, fazendo as necessidades fisiológicas num balde. A porta era feita de barras de ferro e estava fechada a cadeado. A filha também viveu enclausurada em casa, mas gozaria de maior liberdade de movimentos: sempre no interior da habitação.

A mãe de 62 anos e o pai de 70 foram acusados há menos de dois meses de dois crimes de sequestro agravado e de violência doméstica. Mas é provável que não venham a ser condenados a uma pena, mas antes a uma medida de segurança, já que o Ministério Público considerou a mulher inimputável, ou seja, incapaz de perceber o carácter ilícito do seu comportamento. Aliás a mulher, que esteve em prisão preventiva desde Junho do ano passado, foi transferida em meados deste mês para um hospital psiquiátrico, em Coimbra, a pedido do Ministério Público. Sofrerá de uma “psicose paranóide de tipo persecutório”, que a faz duvidar de tudo e de todos. O marido, que está a viver numa instituição, ainda aguarda a conclusão do exame psiquiátrico. O julgamento tem início marcado para 18 de Abril.

Os filhos também estão a viver numa instituição e procuradora responsável pelo processo quer que os pais fiquem proibidos de os contactar. Algo difícil de compreender para a mãe, que assume que fechou os seus “meninos” em casa, apenas para os proteger de quem lhes queria mal.

“Os arguidos obrigaram o ofendido António a dormir num colchão de espuma velho, colocado directamente sobre o chão daquela divisão, sem lençóis e apenas com uma manta, alimentaram-no neste espaço entregando-lhe, através das grades, uma tigela e um garfo, forçaram-no a satisfazer as suas necessidades fisiológicas num balde, que só trocavam ocasionalmente, e impediram-no de usar calçado”, descreve-se na acusação. A procuradora acrescenta que o casal não limpava a divisão que apresentava um “cheiro nauseabundo a urina e fezes”.  

Mas a falta de higiene não era exclusiva do “quarto” de António. Na casa de três pisos não havia água nem luz. Os objectos amontoavam-se por todo o lado, incluindo restos de comida podre. Nada de estranhar, já que o pai recolhia todo o tipo de materiais do lixo. As janelas estavam sempre fechadas e os estores corridos. A luz era de velas. “Em toda a casa respirava-se um ar pútrido, por falta de arejamento e um cheiro intenso a urina, fezes e comida podre, de tal modo que no dia 2 de Junho de 2015, quando os bombeiros lá entraram, tiveram de colocar máscaras no nariz para conseguirem respirar”, lê-se na acusação.

O Ministério Público localiza o início da clausura em 2007 e atribui-a ao facto de António e Ana Sofia terem começado a manifestar sintomas de problemas psíquicos. “Mas nunca receberam tratamento para tal, dado que os arguidos nunca os levaram ao médico nem permitiram que algum médico os observasse, situação que fez com que os seus problemas de saúde mental se fossem agravando ao longo do tempo”, sublinha-se na acusação.  

A única divisão que tinha uma cama era o quarto do casal. Ana Sofia também não tinha direito a uma. “Os arguidos mantinham os seus filhos, que sabiam ser totalmente dependentes deles, a viver em condições degradantes, confinados àquela casa, não lhes dando banho, não lhes cortando o cabelo nem unhas, não os penteando, nem lhes ministrando medicamentos e vestindo-os com roupas esfarrapadas e sujas”.

A procuradora faz, aliás, questão de explicar que, em 1986, ano em que o casal - ela são-tomense e ele cabo-verdiano - foi viver para a Rua Nova da Ribeira, na Amoreira, os filhos, então com 12 e 10 anos, “aparentavam ser crianças normais”. Ainda frequentaram a escola primária, mas terão sido os pais que os “impediram” de continuar os estudos. Mesmo nessa altura havia sinais estranhos na família. “A arguida com frequência mandava o seu filho António ir para a escola descalço, dizendo-lhe que ‘havia muitos sapatos em Cascais’, e atirava pedras na sua direcção”, escreve o Ministério Público.

Contactados pelo PÚBLICO, os advogados dos dois arguidos, ambos defensores oficiosos, recusaram comentar a acusação.  

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