Um quarto das pessoas que morrem nos hospitais têm diabetes

Relatório do Observatório da Diabetes estima que 13,3% dos portugueses entre os 20 e os 79 anos tenham a doença. Surgem 168 novos casos por dia.

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A obesidade é uma das principais causas do aumento de casos de diabetes PAULO PIMENTA

O número de mortes directamente atribuídas à diabetes em Portugal tem vindo sempre a cair nos últimos cinco anos, com 4406 óbitos registados em 2015. No entanto, são cada vez mais os doentes que morrem nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e que têm esta doença. É que ela complica o tratamento de outras patologias. E está na origem de muitas infecções, mas também de enfartes agudos do miocárdio e de acidentes vasculares cerebrais. Em mais de 25% dos óbitos que ocorrem nos hospitais a diabetes está presente. “A diabetes é uma doença vascular e, portanto, atinge os olhos, os pés, o coração, o cérebro e os pulmões”, alerta o director do Observatório Nacional da Diabetes (OND), Luís Gardete Correia.

Os dados, antecipados ao PÚBLICO, fazem parte dos Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, que será apresentado hoje e que indica que em 2015 foram detectados, em média, 168 novos casos de diabetes por dia em Portugal. É mais do que em 2014, quando a média era de 148 novos casos.

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De acordo com o documento Diabetes: Factos e Números — O Ano de 2015, estima-se que 13,3% dos portugueses entre os 20 e os 79 anos tenham diabetes, o que corresponde a cerca de um milhão de doentes. Além disso, há ainda mais dois milhões de pessoas com valores de glicemia que correspondem a situações de pré-diabetes e — caso nada seja feito — o mais provável é que evoluam para ter mesmo a doença.

Luís Gardete Correia salienta que somando os diabéticos e os pré-diabéticos já temos um valor alarmante. Mais de 40% da população entre os 20 e os 79 anos tem ou está em risco de ter esta doença.

“Preocupa-nos muito o crescimento da prevalência da diabetes, mas também os valores das pessoas que têm a doença e não estão diagnosticadas”, admite o médico, que alerta que se está a gastar muito com o tratamento dos doentes, sem se investir no mais importante: a prevenção, para evitar que as pessoas adoeçam. “Estamos a gastar o dinheiro do lado errado. Era muito mais barato prevenir a diabetes do que tratá-la e não há, em termos nacionais, um empenhamento nacional. Com esforço, era possível reduzirmos para metade o número de novos casos de diabetes”, acrescenta. Em termos de gastos, a despesa com a diabetes corresponde a 1% do produto interno bruto do país e consome 12% do orçamento da Saúde.

Uma percepção corroborada pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, Rui Duarte, que insiste na importância de se actuar na prevenção, sem deixar de “minimizar as complicações da doença em quem já tem diabetes”. Além disso, tanto Gardete Correia como Rui Duarte destacam outro paradoxo: há agora mais doentes, mas de 2014 para 2015 os centros de saúde tiveram menos 286 mil consultas de diabetes. Os especialistas ainda não têm uma explicação para esta quebra. Mas é preciso perceber o que está a acontecer, até pela “importante função dos cuidados primários no evitar de complicações”, diz Gardete Correia.

Menos amputações

Quanto à despesa, a previsão é que o valor gasto nesta área continue a aumentar, sobretudo com o aparecimento de tratamentos inovadores. Aliás, o custo médio de uma embalagem de medicamentos para esta doença mais do que duplicou de valor nos últimos dez anos. Em 2006 o Serviço Nacional de Saúde gastava 65,9 milhões de euros com os medicamentos para a diabetes dispensados nas farmácias. Em 2015 o valor quase atingia os 239 milhões de euros.

Apesar da factura, Gardete Correia e Rui Duarte destacam que também há resultados positivos, como uma redução do número de amputações associadas à diabetes e um bom rastreio da retinopatia diabética, que tem permitido travar os casos de cegueira associados à doença.

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Mesmo assim, Portugal é o país da Europa com a prevalência de diabetes mais elevada. Há vários factores que explicam estes resultados. A começar pelo envelhecimento da população. Mas o cenário também é agravado pelos estilos de vida pouco saudáveis, com uma má alimentação associada a pouco exercício físico. “Portugal é um dos campeões da obesidade e 80% das pessoas com diabetes tipo 2 têm excesso de peso ou obesidade. Se conseguirmos reduzir a obesidade e se fizermos um diagnóstico precoce, conseguiremos reduzir a morbilidade e a mortalidade”, insiste o director do OND.

A diabetes caracteriza-se pelo aumento dos níveis de açúcar (glicose) no sangue, que se fica a dever a uma produção insuficiente ou a uma acção ineficiente da insulina, podendo haver uma combinação destes dois factores. Há, contudo, dois tipos diferentes da doença. A diabetes tipo 1 é menos frequente, corresponde a menos de 10% dos casos, afecta mais os jovens e tem uma base mais genética. A diabetes tipo 2 aparece mais depois dos 40 anos e está muito ligada aos estilos de vida, ainda que a hereditariedade também tenha peso.

Sociedade dos refrigerantes

É a diabetes tipo 2 que mais preocupa Gardete Correia. “Estamos a receber muito a influência de um estilo de vida ocidentalizado. Já somos a sociedade dos refrigerantes, do hambúrguer e da pizza”, diagnostica. “Fazemos pouco exercício e uma alimentação muito calórica e rica em hidratos de carbono de absorção rápida, como os açúcares”, afirma. Falta um plano nacional que aposte na prevenção e que vá para lá das experiências positivas que alguns municípios têm feito, mas que muitas vezes não têm continuidade.

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Para o especialista, é urgente avançarmos de uma vez por todas com medidas transversais nas escolas e serviços públicos e privados, replicando algum do trabalho que está a ser feito pela Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, em parceria com a Gulbenkian — que elegeu esta doença como um dos principais desafios para o país nos próximos anos.

Gardete Correia defende que o combate à doença precisa de uma receita semelhante à utilizada no marketing das grandes empresas que vendem produtos nocivos à saúde, com excesso de açúcar, sal e gordura. “Devíamos contratar quem lhes faz os anúncios para que passem com a mesma eficácia uma mensagem sobre a prevenção e riscos da diabetes.”

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