Comissões de 200 mil recebidas por gestores envolvidos no caso Sócrates

Ministério Público detectou duas transferências de 100 mil euros cada para offshores na Suíça, uma controlada por Rui Horta e Costa e outra por Diogo Gaspar Ferreira. São suspeitos de abuso de confiança.

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O empreendimento de Vale do Lobo foi comprado através de um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos Vasco Celio

A resposta a uma carta rogatória enviada recentemente pelas autoridades suíças permitiu ao Ministério Público detectar duas transferências de 100 mil euros para offshores na Suíça, uma controlada por Rui Horta e Costa, administrador do empreendimento turístico de Vale do Lobo e até ontem administrador não-executivo dos CTT e outra para o presidente do grupo que gere o resort, Diogo Gaspar Ferreira, também suspeito no caso.

Rui Horta e Costa foi constituído anteontem arguido no âmbito da designada Operação Marquês por ser suspeito da prática de “crimes de corrupção activa, fraude fiscal, branqueamento e abuso de confiança”, confirmou ontem a Procuradoria-Geral da República. Diogo Gaspar Ferreira já é arguido desde Junho de 2015. Os dois são suspeitos de corromperem o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, e o ex-ministro socialista, Armando Vara, para obterem um financiamento com condições especiais na Caixa Geral de Depósitos, banco onde Vara foi administrador. O empréstimo foi usado para adquirir com mais três investidores o empreendimento de Vale do Lobo por 230 milhões de euros no final de 2006.

Os 200 mil euros terão sido pagos aos administradores através de contas controladas pelo holandês Joren Van Doorem que comprou um dos melhores lotes do empreendimento algarvio, em frente ao mar, em Dezembro de 2007, por perto de 4,4 milhões de euros. Van Doorem acabou por pagar mais 2,2 milhões de euros por fora, dinheiro que o Ministério Público acredita ter servido para pagar o favorecimento da Caixa e para compensar os próprios administradores de Vale do Lobo de forma indevida.

Estas “comissões” constituem para o Ministério Público um crime de abuso de confiança, já que lesaram o próprio empreendimento do qual os dois administradores eram accionista, com mais três investidores e com a própria Caixa, que detém 25% do resort algarvio.  O PÚBLICO tentou ontem, sem sucesso, confrontar o advogado dos dois administradores, João Medeiros, com os factos imputados aos clientes.

Empreendimento devia 300 milhões à Caixa

No Verão de 2015, o empreendimento de Vale do Lobo devia à Caixa cerca de 300 milhões de euros, após ter atribuído à empresa que gere aquele resort 12 empréstimos, entre Dezembro de 2006 e Junho de 2010, no valor global de 249 milhões de euros. No Verão de 2015, segundo um relatório que faz parte da Operação Marquês, todos eles se encontravam em atraso. Os incumprimentos e os juros terão feito a dívida crescer até aos 300 milhões, o que significa que ao longo de nove anos não tinha sido amortizado qualquer capital. Cinco desses empréstimos, no valor de mais de 216 milhões de euros, foram atribuídos pela Caixa, numa altura em que Vara era administrador daquele banco.

Vara é suspeito de corrupção passiva neste processo por ter alegadamente recebido um milhão de euros para favorecer Vale do Lobo nas condições dos empréstimos, nomeadamente na diminuição da taxa de juro, no corte dos custos processuais e no aligeirar das garantias. O mesmo nega qualquer anomalia na concessão do financiamento.

O Ministério Público considera ainda que Vara teve um “apoio determinante” no facto da Caixa ter “tomado a iniciativa de subscrever 25% do capital social das sociedades que detinham o empreendimento Vale de Lobo, o que significou uma diminuição do esforço de financiamento em mais de 30 milhões de euros, com o assumir integral do risco por parte da CGD”.

Dos dois milhões de euros transferidos pelo holandês para uma conta de Joaquim Barroca, administrador do Grupo Lena, entre Janeiro e Abril de 2008, metade acabou numa conta de uma sociedade offshore com sede no Panamá e que tem como beneficiária a filha de Vara. O antigo governante também tinha poderes para movimentar o dinheiro. O outro milhão de euros acabou em contas de offshores de que era beneficiário o amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva, que o Ministério Público considera ser um testa de ferro do antigo-primeiro-ministro.

Segundo o testemunho de Van Dooren terá sido Diogo Gaspar Ferreira a dar-lhe o número da conta de Joaquim Barroca como destino do dinheiro, o que o mesmo nega. O holandês diz ter acedido a pagar mais 2,2 milhões de euros para não ficar obrigado a construir a casa através de uma empresa contratada por Vale de Lobo. Mas há igualmente referências no processo de que o valor do lote adquirido por Van Dooren tinha sido escriturado por um preço por metro quadrado inferior ao de outros lotes que ficavam na segunda linha de mar e não na primeira, como aquele. O Ministério Público admite, por isso, que os 2,2 milhões transferidos mais tarde pelo holandês constituíssem de facto uma parte do pagamento do terreno, feita de forma clandestina. 

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