Uma tarefa difícil

Cabe a Assunção Cristas reconstruir o CDS, criando o seu próprio espaço e o seu próprio estilo.

Assunção Cristas será este domingo eleita presidente do CDS no Congresso de Gondomar. Aos 41 anos chega à liderança do partido onde se filiou em 2007, pelo qual foi eleita deputada em 2009 e 2011 e em nome do qual integrou o Governo, como ministra da Agricultura, entre 2011 e 2015. A tarefa que tem pela frente não é fácil. Herdar um partido que foi Governo, quando ele regressa à oposição é provavelmente o pior momento para assumir essa missão.

A nova presidente do CDS é a segunda mulher a presidir a um partido em Portugal, depois de Manuela Ferreira Leite o ter feito ao PSD entre 2008 e 2010. É importante de salientar a constatação evidente de serem os partidos de direita a elegerem mulheres para a sua liderança. Mas é bom não esquecer a forma como a liderança de Manuela Ferreira Leite foi olhada pela opinião publicada, o preconceito sexista que perdura em Portugal, a condescendência com que as mulheres que ganham visibilidade e poder são tratadas pela mesma opinião publicada e muitas vezes também pela comunicação social.

Não deve deixar de se afirmar também que Manuela Ferreira Leite foi vítima de preconceito por ser mulher, mas também por ter 67 anos ao ser eleita presidente do PSD. A idade é, em geral, factor de discriminação quando se quer catalogar negativamente alguém porque é muito velho ou por que é muito novo. Daí que Assunção Cristas possa vir a sofrer a desconfiança de quem considere que é uma mulher muito nova para liderar um partido.

Outra atitude preconceituosa com que Assunção Cristas vai ter de lidar é a condescendência em relação à ideia feita de que é a sucessora escolhida por Paulo Portas. É, por isso, olhada como uma solução fraca, alguém para liderar o partido em tempos difíceis até vir o próximo grande líder, homem claro. Importa referir que a alternativa era Nuno Melo, um deputado antigo, primeiro na Assembleia da República depois no Parlamento Europeu, que é olhado dentro do CDS como um sucessor natural de Portas, sem que nada o tenha destacado ao nível do pensamento político. E que se fosse o candidato poderia ser apontado pela mesmíssima imagem de sucessor ungido.

É verdade que não é fácil substituir Paulo Portas. Para além de ter sido o líder do CDS durante os quatro anos em que este partido integrou o Governo de coligação com o PSD, Paulo Portas é um líder carismático e marcante, que foi adaptando o CDS à sua imagem. Determinou os últimos 18 anos à frente do partido, mas já antes esteve ligado à reconstrução do CDS pelo grupo de dirigentes, liderados por Manuel Monteiro, que agarrou no partido em 1992 (PÚBLICO 02/01/2016). Basta, aliás, lembrar o que era o CDS antes da eleição de Manuel Monteiro como presidente para perceber que não é a primeira vez que o partido passa por transições difíceis.

Na realidade a vida do CDS foi de equilíbrio difícil até 1992, desde o fim dos Governos da Aliança Democrática, em 1983. Refira-se o falhanço de Lucas Pires, que entre 1983 e 1985 foi o protagonista da primeira tentativa de introduzir o liberalismo no figurino partidário português, acabando esmagado pela hegemonia do fenómeno eleitoral que foi o PSD de Cavaco Silva. Seguiram-se anos de agonia em que a liderança foi ocupada de novo pelo líder fundador, Freitas do Amaral, entre 1988 e 1991, e por Adriano Moreira, entre 1985 a 1988 e depois em 1991 e 1992, que foram conduzindo o CDS à situação de partido do táxi.

Apesar de não ser a primeira vez que o CDS passa por uma transição de liderança difícil, o facto é que vive uma grande erosão nas sondagens, depois de duas décadas de relativo sucesso político: Paulo Portas por duas vezes levou-o ao Governo (2002 a 2005e 2011 a 2015). Cabe a Assunção Cristas reconstruir o CDS, criando o seu próprio espaço e o seu próprio estilo.

A sua afirmação como líder passará também pela capacidade de delimitar conteúdos programáticos e ideológicos, respeitando o ideário democrata-cristão do CDS, mas que sirvam como alternativa crítica ao Governo e façam a demarcação do PSD. Ora esta tarefa também não é fácil num momento em que o CDS está colado à herança do executivo que integrou. Por muito que tenha sido perceptível na última legislatura a existência de divergências entre Paulo Portas e Passos Coelho, a realidade é que o CDS não desistiu do poder. Mais, na crise de 2013, quando Paulo Portas se demitiu foi claramente assumido por vários dirigentes do partido que tinham pressionado o presidente a não abandonar o Governo.

Assunção Cristas surge assim num momento que apenas tem como positiva uma perspectiva, a de que poderá surpreender e afirmar-se como presidente do CDS perante as baixas expectativas em relação a si. Ou seja, com tanto obstáculo há sempre hipótese de conseguir ultrapassar alguns.

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